CAVALO DE GUERRA- SPIELBERG, CINEMA PURO

   Como é bom assistir um mestre em ação! Um diretor que sabe desenvolver sua história, sem atropelos, pausando as imagens, mostrando as paisagens, longe de qualquer estética que não seja a da tela grande. Gente filmada à distância, corpos inteiros, grandes multidões, cenas com vários personagens agindo ao mesmo tempo, céu e chão no mesmo take. Ah.... que coisa boa....um filme que se parece com cinema!
   Steven Spielberg adora David Lean, mas apesar de alguns criticos muito mal informados falarem que este filme lembra Lean, ele na verdade é puro "Hollywood Clássica". David Lean faria cenas muito mais longas, colocaria a ênfase no pacifismo e usaria menos diálogos. O que vemos aqui é um filme como os de Clarence Brown ou Sam Wood, competência e entertainment.
   O filme é lindo e satisfatório. O fato de não ser um big sucesso mostra onde estamos. Hoje ET seria um fiasco. Bons sentimentos não fazem mais bilheteria e Spielberg ainda acredita no ser-humano. Ele insiste em ver beleza na vida e em tentar compreender as pessoas. Não tem medo de parecer careta ( sempre foi ), infantil ou piegas. Ele é tudo isso, e hoje em tempos de cinismo chique, Spielberg se torna um original, um diferente. Daí seu não-sucesso. Seu filme, hiper-pop, parecerá de outro planeta para quem cresceu com video-games e Guy Ritchie. Ele fala de familia, de bondade e de nobreza. Alguém se importa?
   Plasticamente o filme é o mais belo do ano. Não há sovinismo, ele mostra e sabe mostrar. Poucos closes, sem efeitos modernosos, sem frescuras. Desde a primeira cena voce sabe do que se trata: uma narrativa, uma clássica e bela narrativa, com começo, meio e fim, simples e bem contada, e eu percebo: como isso é hoje raro!
   Adorei o filme! Fiquei absorvido por cada minuto. Queria que ele durasse mais. Mas vamos à história.
   Ela vai de uma fazenda pobre da Inglaterra à França durante a primeira guerra. E tudo é brilhantemente mostrado. O cavalo, que jamais é humanizado, é testemunha passiva da loucura dos homens. Vítima. Como também são os alegres soldados. Aquela guerra foi a pior por ter sido a primeira guerra mecanizada. Foi uma guerra em que os soldados e as defesas eram ainda de 1880, mas o armamento e as crueldades já eram as do século XX. Quando os soldados ingleses avançam à cavalo, de surpresa, contra as metralhadoras alemãs, vemos toda a tragédia. A quebra de um código de conduta ( ataque sem aviso ), e o absurdo de se usar espada e cavalo contra metralhadora e canhões. É um massacre. É patético. Spielberg consegue ser veemente sem mostrar uma só cena de sangue jorrando ou de membros voando. Isso é arte.
   O cavalo vive então quatro etapas: na fazenda com arreios, na guerra, numa fazenda francesa e na guerra de novo. Em todas ele sofre como um animal. Mas repito, nada há de humano nele, é sempre um cavalo, e isso faz dele algo de muito mais terrível: ele nos acusa. Seu olho natural nada pode entender, ele apenas sofre, e vai em frente. Ao contrário de O ARTISTA, que é um filme nobre mas com uma história muito pobre; aqui temos nobresa com história, o roteiro é bem articulado, sabe criar tipos críveis, sabe avançar. E temos o belo animal.
   Fato estranho acontece no Oscar deste ano. Temos dois filmes radicalmente antiquados, que optam corajosamente por não ser "como se deve ser agora". Nada de cortes e mais cortes e de cenas com dois personagens no máximo. Bennet Miller e o filme sobre beisebol com Brad Pitt é a antitese deste filme. Mundo minúsculo, pobre, nervoso e labirintico, versus o universo vasto, rico, observador e observado, cheio de história.
   Volto a dizer: Como é bom ver um filme assim. Observe a casa onde Joey, o potro, nasce. Como ela é rica em detalhes e em como Spielberg a exibe com calma, carinhosamente. Depois veja as trincheiras, os jovens soldados. Eles têm chance de se tornar gente, o diretor permite que eles falem, que seus rostos sejam conhecidos. O mesmo com a fazenda na França. Vemos a menina e seu avô por apenas vinte minutos. Mas Spielberg consegue fazer com que os conheçamos, entendemos quem são e o que fazem. Como Steven Spielberg consegue isso? Porque ele ama os personagens, ama aquele cavalo, ama o cinema. Onde a câmera toca ele cria vida. O filme se torna admirável.
   Há uma cena ao final. A silhueta do cavalo e do jovem,  finalmente de volta pra casa. O que vemos é um imenso horizonte amarelo. Isso me lembrou John Ford. É o tipo de cena que um diretor televisivo jamais fará. É o tipo de cena que fica grudada na memória de quem a vê.
   CAVALO DE GUERRA não ganhará o Oscar. Mas ficará como etapa belissima da história do cinema. Um dos últimos filmes a contar um conto à beira da fogueira. Tem de se ver. É de verdade.