O QUE É CINEMA. UMA OBSERVAÇÃO SOBRE SUNRISE E UMA DIVAGAÇÃO SOBRE MONEYBALL

   Aurora foi feito em 1927. E é muito mais moderno que Moneyball, feito em 2011. Porque?
   Aurora, e sei que é covardia comparar os dois filmes, mas não estou comparando-os, estou analisando tendências; como dizia, Aurora concorreu aos Oscars de 1928, como é possível que aconteça com o filme de Brad Pitt. Então ambos são dois momentos na história do cinema, dois eventos no tempo. O que os diferencia? Falarei sobre o filme de Murnau.
    Aurora é um filme silencioso. E conta sua história com o uso de três cartelas de diálogo no inico e mais uma ao final. Todo o resto ( uma hora e meia ) é narração com imagens e movimento. A história fala de desejo e de perdão. No campo, um homem se envolve com garota da cidade. Ambos planejam a morte da esposa, afogada. Na hora do crime, o marido se arrepende. A esposa percebe sua intenção e foge dele. Ele a persegue e vão a cidade. Lá se divertem em parque e vão a restaurante. Na volta acontece uma tempestade. Esse é o enredo. Ele fala de emoções e de valores imorredouros: desejo, ambição, arrependimento, reatamento, azar e sorte. Culpa e absolvição. E como isso nos é dado? Com uma riquesa e complexidade visual que beira o milagre.
   Cena sobre cena, Murnau vai desenvolvendo seu poema visual sobre dois humanos ( o sub-título do filme é "Uma canção sobre dois humanos" ). Ele cria, e observar um grande artista criar nos dá um prazer imenso. Cada cena é uma criação. São imagens sobre imagens, truques, efeitos de luz, movimentos de câmera, vôos de imaginação. Cenas como a do bonde rodando pelas ruas até vermos a cidade, ou o casamento, em que a esposa cede à dor do marido. Cenas como as do parque, dezenas de pessoas passando sem parar, um frenesí de jogos, brinquedos e movimento.  A tempestade no lago, nuvens e ondas e o vento. O encontro dos amantes no brejo, a câmera andando por entre a mata e a névoa. O trânsito na cidade, uma confusão de trens e carroças e carros e gente... Murnau expande a imagem, enriquece a tela com movimento que acontece em cada milimetro filmado. Os cantos são todos usados para inserir informação, beleza, requinte e mensagens. A tela se expande, explode, vai para onde Murnau deseja, e nós vamos com ele. Mas acima de tudo ele conta uma história, atemporal, muito comovente, que resvala na pieguice, mas que acaba por se erguer acima disso, graças a maestria desse gênio do cinema.
   Murnau fez na Alemanha, entre outros, Fausto e Nosferatu. Em 1926 foi para Hollywood e começa com este Aurora. Em 1931 morreu em acidente de carro. Tinha pouco mais de 40 anos.
   Agora falemos de Moneyball. Várias vezes Brad Pitt é visto dirigindo seu carro. E o que o diretor cria? Nada. Todas as cenas são idênticas. Palavras e mais palavras e imagens que são apenas um suporte para o que é dito. Imagens fechadas, pobres, preguiçosas. Nada é tentado, nada sai do eixo, nada. Rostos e vozes, e não são os rostos como os dos filmes de Dreyer ou de Bergman, transformados em máscaras de emoção, são os rostos de telejornal, da Tv, rostos não trabalhados, banais. E o que vemos é apenas uma história banal. Banalmente contada. Não há nada para ser descrito. Nada para ser lembrado.
   O marido e a amante se encontram. Murnau coloca ao fundo o lago, sujo e escuro. Depois insere imagens da cidade. Orquestras que tocam, gente que dança frenéticamente. Confusão. A amante se ergue e começa a dançar, em meio ao junco, louca e assassina. O marido a abraça e eles caem no chão. A lua brilha entre nuvens e a cidade miserável e pobre ao fundo. ..Aqui não há preguiça. Murnau cria, faz, tenta, está irriquieto. Mistura informações, divaga, tenta. Fertiliza. O que acontece? Nós respiramos com o filme, nos alimentamos, sentimos e pensamos, viajamos.
   Daqui a mais oitenta anos ainda lembraremos de certas imagens de Aurora. A sensação que o filme dá, de melancolia profunda misturada com admiração e alegria criativa, ficará viva. O que a gente vai lembrar de Moneyball a não ser da cara de Brad Pitt e de que tinha algo a ver com beisebol ?