Quando Auerbach ataca violentamente a religião, ele mira o alvo errado. Lança a velha e mofada tese de que a religião foi criada pelo homem como forma de explicar a vida e aplacar o medo. Portanto, por ser criada "artificialmente", ela deve ser descartada. Se voce trocar a palavra religião por arte, ou filosofia, ou ciência, ou psicanálise, ela, a frase, se aplica a perfeição. Levi-Strauss tem uma postura mais sábia. A religião é parte integrante do cérebro, e suas explicações serão sempre válidas. Válidas por explicarem aquilo que a razão não pode ( e desistiu de ) explicar. Se um ritual simbólico é instituído, ele, por mais absurdo que pareça a razão, tem uma função, possui uma linguagem que é apreendida pelo cérebro. Ao contrário do que dizia Auerbach ( e milhares de pensadores do século XIX ), a religião não nasce antes da filosofia e da arte, e portanto seria uma etapa mais primitiva do espirito humano. A religião nasce ao mesmo tempo e com o mesmo impulso que cria a arte e a filosofia. Encarar a religião como "ópio do povo", "doença da alma" ou "filosofia de crianças", é reduzir uma lingua, é não tentar traduzir uma mensagem, é ignorância preconceituosa.
Henri Bergson procurou, corajosamente, desobstruir essa ignorãncia no inicio do século XX. E para isso, sem medo, ele intuiu toda uma metafisica do espirito criativo. Formulou as mais duras questões: O que é o tempo? O que é o nada? Como pode haver vida onde nada existe? De onde vem nosso impulso criador?
Não irei ousar explicar suas formulações. São cristalinas, mas são complexas. Aconselho a quem se interessar que o leia. O que escrevo a seguir são pensamentos meus, influenciados por Bergson. Quase intuições bergsonianas.
Do nada não pode advir um ser. Pois o nada é um vazio e um não-tempo. Se no universo se institui um tempo em dado momento, um antes e um a seguir, um tempo continuo, fluido, substancial, então esse tempo sempre existiu, sempre lá esteve. E sempre estará.
Então o nada jamais existiu e não pode existir, pois sempre haverá algo. E se o nada nunca existiu, a não-vida é impossível. Pois a vida não pode se originar da não-vida. Para haver vida é necessário outra vida, mesmo que essa vida seja imensamente simples. Se um dia um homem criar vida de matéria aparentemente inerte, será um homem, que é vida, criando vida. Mas observe, será vida criada de matéria "aparentemente" inerte. Pois essa matéria deverá ter movimento, energia, transformação, tempo.
Sempre houve vida portanto. Antes da primeira célula já havia vida naquilo que originou a célula. No cosmos flui a vida, se esparrama, interpenetra a rocha, o fogo, a luz, o tempo. Espírito simples, primitivo, que escorre por entre a matéria, que cria a própria história dessa matéria, que jamais poderá ser um nada, porque se o nada existisse dele só poderia advir o nada.
Nossa razão não tem como perceber essa constante passagem de vida por tudo o que há. Pois a razão existe para as mãos, para os olhos, para os ouvidos. A razão é uma ferramenta que faz objetos, que quebra ossos e constrói casas. E para isso ela precisa contar, pesar, dividir em partes menores, organizar. Fora desse universo de partículas, de ordem, de peso e medida, de ação e reação, nada pode ser percebido pela razão. Ela tem uma lingua, e só pode traduzir essa lingua. Tudo que ela pode ler e entender é razão. Em tudo que ela pensa há o objeto. Ao pensar um ser ou a vida em si, sempre a razão fará desse ser e dessa vida um objeto.
Mas nós intuimos. Percebemos por entre os momentos, muito raramente, alguma coisa que fica de fora da razão. E que não pode ser dita ou falada. Não pode ser posta em letras e linhas porque letras e linhas são objetos da razão. Ao escrever racionalizamos.
Os poetas tentam apreendê-la. E jamais conseguem. A música tenta transmiti-la, e não chega lá. A beleza da arte é essa tentativa que sempre falha. E a religião tenta sisematiza-la, através do rito, e falha.
Porque não se pode explicar com palavras, que são pedaços de coisas em tempo que se divide, alguma coisa que é fluxo indivisivel, tempo que não se apreende, vida que corre e se espalha.
Bergson chama essa vida que existe desde sempre e sempre existirá de espirito.
Espirito que molda a matéria, que cria sem parar, que traz sempre o inesperado, a surpresa, a não divisão. Pois o tempo é criação, incessante ir-se. Já a razão é sempre uma rotina, uma causa que trará um efeito, um mistério que será desvendado ( e se não o for será chamado de ilusão ).
Vale ainda dizer, como é bem mostrado pela moderna antropologia, que o apogeu de toda sociedade se dá na plena vitalidade religiosa. Não no poder politico da igreja, entenda, mas sim na efervescência brilhante dos símbolos, dos significados, da intuição. Na crença da transcendência. A decadência acontece conjuntamente com a descrença. A dessacralização da vida é sintoma de velhice, de falta de élan vital. Seja Roma ou Cartago, Grécia ou a civilização do Ganges, uma tribo do Xingú ou aborígenes da Austrália, sua morte e apagamento se dá pelo fim da ligação espiritual com a vida, a perda de uma significância ancestral e de descendência, o apagar dos mitos que são verdades. O fluir do espirito que é o tempo, é bloqueado, asfixiado, ignorado. Esse espirito não pode ser morto, pois é impossível criar o nada daquilo que sempre é , mas essa civilização deixa de o reconhecer, de falar com ele, de ler seus sinais. Ela morre então.
O grau de felicidade de uma terra é proporcional ao seu grau de criação. E essa criação se dá na intuição, que é uma não-fórmula. Um eterno inesperado. Todo o resto é decadência.
Henri Bergson procurou, corajosamente, desobstruir essa ignorãncia no inicio do século XX. E para isso, sem medo, ele intuiu toda uma metafisica do espirito criativo. Formulou as mais duras questões: O que é o tempo? O que é o nada? Como pode haver vida onde nada existe? De onde vem nosso impulso criador?
Não irei ousar explicar suas formulações. São cristalinas, mas são complexas. Aconselho a quem se interessar que o leia. O que escrevo a seguir são pensamentos meus, influenciados por Bergson. Quase intuições bergsonianas.
Do nada não pode advir um ser. Pois o nada é um vazio e um não-tempo. Se no universo se institui um tempo em dado momento, um antes e um a seguir, um tempo continuo, fluido, substancial, então esse tempo sempre existiu, sempre lá esteve. E sempre estará.
Então o nada jamais existiu e não pode existir, pois sempre haverá algo. E se o nada nunca existiu, a não-vida é impossível. Pois a vida não pode se originar da não-vida. Para haver vida é necessário outra vida, mesmo que essa vida seja imensamente simples. Se um dia um homem criar vida de matéria aparentemente inerte, será um homem, que é vida, criando vida. Mas observe, será vida criada de matéria "aparentemente" inerte. Pois essa matéria deverá ter movimento, energia, transformação, tempo.
Sempre houve vida portanto. Antes da primeira célula já havia vida naquilo que originou a célula. No cosmos flui a vida, se esparrama, interpenetra a rocha, o fogo, a luz, o tempo. Espírito simples, primitivo, que escorre por entre a matéria, que cria a própria história dessa matéria, que jamais poderá ser um nada, porque se o nada existisse dele só poderia advir o nada.
Nossa razão não tem como perceber essa constante passagem de vida por tudo o que há. Pois a razão existe para as mãos, para os olhos, para os ouvidos. A razão é uma ferramenta que faz objetos, que quebra ossos e constrói casas. E para isso ela precisa contar, pesar, dividir em partes menores, organizar. Fora desse universo de partículas, de ordem, de peso e medida, de ação e reação, nada pode ser percebido pela razão. Ela tem uma lingua, e só pode traduzir essa lingua. Tudo que ela pode ler e entender é razão. Em tudo que ela pensa há o objeto. Ao pensar um ser ou a vida em si, sempre a razão fará desse ser e dessa vida um objeto.
Mas nós intuimos. Percebemos por entre os momentos, muito raramente, alguma coisa que fica de fora da razão. E que não pode ser dita ou falada. Não pode ser posta em letras e linhas porque letras e linhas são objetos da razão. Ao escrever racionalizamos.
Os poetas tentam apreendê-la. E jamais conseguem. A música tenta transmiti-la, e não chega lá. A beleza da arte é essa tentativa que sempre falha. E a religião tenta sisematiza-la, através do rito, e falha.
Porque não se pode explicar com palavras, que são pedaços de coisas em tempo que se divide, alguma coisa que é fluxo indivisivel, tempo que não se apreende, vida que corre e se espalha.
Bergson chama essa vida que existe desde sempre e sempre existirá de espirito.
Espirito que molda a matéria, que cria sem parar, que traz sempre o inesperado, a surpresa, a não divisão. Pois o tempo é criação, incessante ir-se. Já a razão é sempre uma rotina, uma causa que trará um efeito, um mistério que será desvendado ( e se não o for será chamado de ilusão ).
Vale ainda dizer, como é bem mostrado pela moderna antropologia, que o apogeu de toda sociedade se dá na plena vitalidade religiosa. Não no poder politico da igreja, entenda, mas sim na efervescência brilhante dos símbolos, dos significados, da intuição. Na crença da transcendência. A decadência acontece conjuntamente com a descrença. A dessacralização da vida é sintoma de velhice, de falta de élan vital. Seja Roma ou Cartago, Grécia ou a civilização do Ganges, uma tribo do Xingú ou aborígenes da Austrália, sua morte e apagamento se dá pelo fim da ligação espiritual com a vida, a perda de uma significância ancestral e de descendência, o apagar dos mitos que são verdades. O fluir do espirito que é o tempo, é bloqueado, asfixiado, ignorado. Esse espirito não pode ser morto, pois é impossível criar o nada daquilo que sempre é , mas essa civilização deixa de o reconhecer, de falar com ele, de ler seus sinais. Ela morre então.
O grau de felicidade de uma terra é proporcional ao seu grau de criação. E essa criação se dá na intuição, que é uma não-fórmula. Um eterno inesperado. Todo o resto é decadência.