CONFERÊNCIAS- HENRI BERGSON

   Não existem coisas feitas, mas apenas coisas que se fazem. Não estados que se mantém, mas apenas estados que mudam. O repouso é sempre apenas aparente, tão somente relativo. A consciência que temos de nossa pessoa faz com que criemos um ente estático para assim podermos nos representar às outras pessoas. Toda realidade é tendência.
   Tomamos instantâneos e os imobilizamos como pontos de apoio. Se constroem assim as sensações e as ideias. Mudamos o que é movimento em coisa estática. Isso é necessário para que se produza linguagem, vida prática, produção. A mente esforça-se por prender alguma coisa que passa. O cérebro funciona como uma rede, um filtro, um orgão que faz contato entre o interior e o exterior.
   Toda ideia genuína nasce de uma intuição. Intuição é a percepção sem tempo ou linha, o pensamento livre e sem linguagem, a vida em seu estado de FLUIR CONSTANTE E CRIATIVO. Após essa intuição, o filósofo passa a destrinchá-la, a complicá-la, a tentar captar em tempo estático uma intuição fluida. Eis o porque das questões sem respostas.
   A intuição diante de um fato comprovado e aceito pelo senso-comum dirá no ouvido do filósofo: Impossível. As coisas não se passam assim.
  A intuição nega, nega de forma definitiva, de forma "para sempre", com DURAÇÃO. A verdade do senso-comum é uma verdade estática e portanto ela é passível de ser ultrapassada. E sempre será. A verdade intuitiva dura.
  Mas atenção! A ilusão não dura. E como separar a intuição da ilusão? Ilusões criam sistemas ilusórios, teses e provas que se apoiam na "ciência", certezas. A intuição não necessita de sistema, de provas temporais e espaciais, ela é. Não deixa de ser porque sempre será. É mudança sem fim.
  O espírito filosófico percebe a continuidade da vida. O tempo não é visto em espaços descontínuos, mas sim numa fluidez sem final. Não mais coisas mortas, inertes, mas agora uma visão de vida como coisa contínua e indivisível.
  Vivemos entre essa razão matemática ( imprescindível de fato e de direito ) e a vida intuitiva, a DURAÇÃO. De um lado o mundo feito em função do espaço e do tempo, em que o que existe deve ter peso e tamanho, e de outro lado o mundo como ele é, independente de nossos medos, além de nossa razão, fora/dentro do homem.
  E sendo fora do homem, esse mundo sem esquadro e sem contagem, pode ser vivenciado no mais profundo de seu ser. É a única e a decisiva prova: ele não pode ser medido e contado, mas está lá dentro de cada um de nós. A intuição, a voz sem linguagem, a razão que vai além da razão.
  A vida tende à inconsciência. Quanto mais fácil uma ação se torna, mais ela se faz automática-inconsciente. Nos tornamos concientes em momentos de crise, uma vida sem crises seria a vida inconsciente. Inconsciente no sentido de NÃO POSSUIR CONSCIÊNCIA DA PRÓPRIA VONTADE. Um acomodar-se no senso comum e nos hábitos de sempre. Amordaçar a intuição.
  Na renascença, Kepler e Galileo mostraram ser possível reduzir e simplificar todos os problemas da física em fórmulas de matemática. Desde então, todos os problemas do homem são vistos em termos físicos. Desde então tudo se resume a fórmulas quantitativas, equações de movimento e probabilidades. O homem fez-se uma IMENSA MÁQUINA EXATA, E ILUDIU-SE PENSANDO DAR ASSIM UM SENTIDO A SUA VIDA.
  Tudo o que somos é memória. Aquilo sobre o que pensamos, as palavras que usamos, as ideias que expressamos, estão todas num tempo contínuo, num fluir que carregamos conosco. O presente é um mirar ao passado, um firmar-se no que é conhecido, no conceito aprendido. Na visão física de tempo como reta subdividida em segmentos mortos, isso não faz sentido. O passado está distante, cada vez mais distante, morto. Mas não é isso que INTUIMOS. Somos um movimento, éramos antes o mesmo movimento. O que era, estando em movimento, vivo, permanece vivo e em mutação eterna. Nosso cérebro, feito para apreender e trabalhar a matéria "INERTE", não deve e não quer apreender esse fluir. Como fazer coisas em meio ao turbilhão?
  Tudo o que fazemos é feito com tudo o que foi feito.
  Não nos peçam para explicar ou deduzir a intuição. Ela não se presta a linguagem matemática. Colocá-la nesses termos seria negá-la. ( Como não pode haver uma matemática intuitiva. Ela só pode existir no espaço e no tempo.)
  Como é mais simples e fácil a vida da linguagem e do número! Ater-se às poucas noções de espaço e de tempo! Reduzir tudo a substantivos e predicados. Maravilhosa criação do homem para tornar a vida fácil: a linguagem e o número. Mas isso é apenas um recorte da realidade, uma forma artificial de se ver a vida. Uma construção cerebral que visa o trabalho e o fazer coisas.
  A ciência tem o poder de desvendar TODA A MATÉRIA. Nada terá segredos para ela. Mas, e as grandes questões? De onde veio a matéria? O que havia antes do primeiro minuto? E antes do antes? O que há depois do depois? O que é o pensamento? Porque a vida se fez? Se o cérebro visa a utilidade e o bem do corpo, porque existem pensamentos "inúteis'? Antes do primeiro átomo e da explosão do espaço, o que havia?
  Bertrand Russell, o melhor lógico do século XX diz que essas são questões absurdas. Que pela ótica da razão as únicas questões lógicas são aquelas que admitem uma prova e uma contra-prova. E que portanto essas questões são não-lógicas, ou seja, absurdas. Pois bem, essa resposta satisfaz sua razão. Mas isso não pode ser também chamado de "fugir da questão"?
  A razão, nascida para defender a vida, e portanto TENDO DE SER SEMPRE MEDROSA, tende a ver na diversidade uma uniformidade. Quer ter certezas, lhe é insuportável a dúvida, o acaso, o não visto. A intuição tem sua duração, curta, nas fraturas desse arcabouço racional.
  Nunca confie em filósofos que falam de VAZIO e de ABISMO.
  Eis um apanhado de frases de Henri Bergson. ( A frase sobre Russell, é óbvio, é minha. )
  Um verdadeiro filósofo.