HENRI BERGSON: UMA REAÇÃO CONTRA A VOZ COMUM

   Filósofo central da virada do século XIX para o XX, Bergson, Nobel de 1928, sempre correu riscos. Sua filosofia se ergue contra o senso-comum de seu tempo. Ele faz o elogio da ciência, mas não se esquece de falar que à ciência cabe o que é científico. A vida é outra coisa. O que?
   Primeiro a inteligência. A inteligência existe para lidar com a matéria. E a linguagem, atributo básico da inteligência, é ferramenta que possibilita vida em sociedade. Para lidar com a matéria o homem usa sua mente em termos materiais, que seja: espaço e tempo. Uma pedra tem peso, tem tamanho e tem presença. Nossa mão tem tamanho, peso e presença. Nossa inteligência tem o dom de trabalhar sobre essa realidade. Ela entende a vida nesses termos, geometria e tempo. Mas há um problema nisso: a vida não é assim.
   Espaço. Nada no universo é linear. Nossa inteligência se move em linha, como a fala, como a linguagem. Mas o espaço fora de nós nada tem de linear, de ordenado, de sujeito-predicado. É então que Bergson passa a falar do tempo. Mas antes faço um parênteses.
   A sensação espacial-temporal que Bergson revela me é muito conhecida. Várias vezes em minha vida tive essa impressão de que bastaria deixar meu cérebro ir mais fundo, deixar as certezas sumirem, para que então a verdade da vida me fosse dada. Uma sensação de que todas as linhas, mapas e coordenadas poderiam ser apagadas, esquecidas, perdidas. Esse momento, que tanto me é próximo, é aquilo que Bergson chama de intuição. Eis a coragem de sua filosofia: é baseada em intuição e não em razão. Bergson usa a razão para chegar a intuição. Para ele, é no momento fluido do vislumbre criativo que a verdade surge. Ele diz que todo pensador teve um breve momento intuitivo, e que todo seu filosofar posterior é uma tentativa de descrever em palavras "alguma coisa que nega a palavra, que não se presta ao discurso", a intuição primeira.
   O tempo só pode ser apreendido pela razão ( como todo o real ) se for contado e dividido em pequenas unidades. Aprendemos a pensar em termos de um tempo que pode ser contado. Mas "sabemos" que não é assim. Não há um momento que nasce, acontece, termina, e um outro que nasce, acontece e termina. Não há passado e não pode haver uma parada-final para o homem ( como há para as pedras ). O tempo é uma fluidez contínua, um incessante nascer e acumular, um fluxo criativo que nunca cessa, um vir a ser que não pode ser datado, contado ou capturado. Internamente ( e toda a filosofia de Bergson é sobre a interioridade ), o tempo é eterna presença, o ontem é sempre agora. E é isso que é inalcansável para a ciência: a vida é movimento incessante, e a razão só pode trabalhar com aquilo que está estático ( mesmo que seja o movimento, ele será dividido em unidades estáticas ), a fluidez é incompreensível para a razão, mas é intuida pelo espírito. Não há um só átomo parado no universo, nada portanto pode ser entendido sem que se entenda seu movimento. O tempo é essa hiper-fluidez que foge, que carrega o acúmulo de tudo já vivido, que se debruça e se esparrama.
   O conceito de "duração", tão dificil de ser entendido, seria então esse constante fluir. A contagem de tempo e a medição de espaço seriam operações, artificiais, do cérebro-razão, modo de se proteger da insegurança do que escapa do controle, modo de lidar com a técnica-sobrevivência. A duração é o tempo real, tempo criação, mutável eternamente, um incessante nascer.