MARCELO COELHO NA MISSA

Surpreende alguém que um ateu convicto como Marcelo Coelho escreva um texto sobre sua ida a missa do Pátio do Colégio e ao final do culto descubra que não só gostou como que irá voltar?
Marcelo Coelho de todos os colunistas da Folha é o mais rigoroso. Ele não faz concessões ao gosto médio. Se é pra falar de cinema ele fala de Carl Dreyer. Se é pra falar de música ele fala de Bach e se é para elogiar um escritor contemporâneo ele escreve sobre Sebald. Um homem como ele tem óbviamente sinais de desconforto com a crueza vulgar do mundo atual. Há um desencanto em tudo o que ele escreve, mas ao mesmo tempo o niilismo passa longe de seu texto. Ele ainda ama certas coisas, e a cultura é uma delas.
Na missa ele se surpreende com tudo. Estranha o fato de nada nela se parecer com repressão ou fanatismo. Se surpreende com o fato do padre ser um mestre da oratória e mais, possuir um discurso articulado e límpido. Coelho fala do quanto a arte da oratória inexiste hoje ( para os gregos era a arte principal ). Políticos, artistas, filósofos, poetas, desaprenderam essa arte. E para uma pessoa de cultura, nada é mais prazeroso que ouvir alguém falar bem. Atores inclusive desaprenderam a falar. Me delicio sempre que ouço gente como Rex Harrison ou Peter O'Toole falando. Colin Firth e Daniel Day Lewis ainda sabem falar, mas são tão poucos hoje...weeeelllll....
Como acontece comigo, Coelho não consegue se ajoelhar ( é vaidade ), não crê em Deus ou em seus santos, mas como eu ele percebe que há algo naquele lugar. Dois mil anos não podem ser descartados por preconceito.
Estou lendo Chesterton e no seu texto ( deliciosamente vitoriano, e voce sabe, em termos de civilização a era vitoriana foi o auge do gênero humano ), ele diz que tal personagem de seu livro, era "tão revolucionário que ele se revoltara contra as revoluções e se tornara um amante da lei e da ordem". Penso em Eliot, Evelyn Waugh, Auden e o próprio Chesterton, todos foram jovens modernistas e rebeldes, todos se converteram ao catolicismo ao final da vida. Sempre pensei que fosse por medo da morte, mas percebo com a idade que esse medo é maior aos vinte anos que aos quarenta. Talvez tenha ocorrido com eles o que se passa comigo, uma vontade de negar todo esse modernismo de araque, vazio e frouxo, abraçando aquilo que os "inteligentinhos modernos" menos prezam: a religião institucionalizada, a religião careta. Uma conversão sem fé, feita por um excesso de rebeldia. Talvez...
De qualquer modo me lembro da missa por meu pai e do modo como me senti bem na igreja. Não por crer que a alma de meu pai pudesse estar lá, não por crer que Deus pudesse me ajudar, mas apenas por sentir o alivio de estar numa casa onde a morte e a dor podiam se expressar livremente, sem remédios, sem modismos e sem pseudo soluções. Um canto de atemporalidade.
Em tempo sem filosofia prática, sem mestres e eruditos, sem ideologias e sem artistas sábios, é a experiência individual na religião que ainda pode nos dar rumo. Mesmo que seja vã.