Este livro é um tipo de objeto de estima de escritores "machos" e críticos modernos. E é fácil saber porque. Ele é, além de bom pra cacete, um tipo de "livro de Heminguay" levado ao extremo. Na história dos últimos momentos em vida de um alcoólatra radical, temos um mergulho na prosa infernal que Heminguay ensaiou e nunca realizou.
Lowry era uma promessa imensa. Seu vicio jamais deixou que ele fosse até onde deveria ir. Não se matou aos 27. Chegou aos 48. Deu tempo de escrever quatro livros. Este é seu clássico. É um dos top do século XX. E virou filme de John Huston ( em 1984, com Albert Finney ). Bunuel pensou em filmá-lo. Sentiu onde pisamos?
Malcolm Lowry nasceu na Inglaterra. Foi marinheiro no Oriente, estivador. Se meteu em brigas, em tiroteios e usufruiu de amizades com escritores snobs. Foi guitarrista de jazz, morou na França, nos EUA e no México. Se isolou em cabanas de madeira no Canadá com sua esposa. E bebeu, bebeu muito, até se matar no interior da Inglaterra, em 1957. Um escritor de talento verdadeiro. Este livro prova isso.
E como é dificil de acompanhar essa saga do consul inglês que engole liquidos vários ( whisky, vodka, mescalina, aniz, estricnina, xarope, cerveja. ), tudo isso numa vila mexicana, no dia de finados, sob calor dos infernos e observado por vulcões imensos. A ex-esposa vai visitá-lo, ele pensa em reconciliação, mas a impotência, física e afetiva, o impede de realisar o amor.
Já foi dito que este é o único livro que nos faz viver dentro de um viciado. É fato, ler estas páginas é sentir o inferno. Ele pensa e fala, muito. As frases se atropelam, se repetem, são brilhantes, depois são tolas, estancam, voltam a se repetir, trazem humor, desespero, inesperadas conexões e mais repetições. Para ele é insuportável ver um copo vazio, a beleza está numa garrafa sobre um balcão. Ele mostra a poesia de um bar ao amanhecer, a beleza de uma bêbada solitária. Tem ilusões, acredita que cerveja é vitamina, que whisky lhe fortalece. Tenta atingir o equilíbrio da dose exata, de conseguir ficar são, bebendo.
Fui dono de bar e conheci as figuras. Reconheço alguns. Aquele cara educado, que chegava às 6 da manhã, trêmulo, que não conseguia acender um cigarro, e que ao beber se tornava um homem equilibrado para depois afundar em frases repetitivas e numa placidez de lago ao verão. O olhar de cachorro sem dono ao pedir uma dose, e a alegria ao ver o copo cheio. O livro mostra tudo isso. Assim como a vergonha não assumida, as tentativas de não se ver como viciado, o amor a toda bebida e uma estranha visão abrangente. O cônsul vê tudo, sente as conexões da vida. Ele super-sente, super-reage, super-entende. Ele parece vivo demais, intenso demais, consciente demais, e se anestesia.
O México, terra de sombras, de música incessante, de borrachos, de festa aos mortos, é o cenário. Um imenso bar gótico. E as linhas do romance correm, imagens sem fim, cores e frases ditas pela metade, sentimentos que nascem e se apagam, uma inteligencia que agoniza.
É um dos infernos mais infernais já escritos. Ler sua prosa é afundar um pouco.