REBELDIA INDOMÁVEL, ONDE ESTÁ DEUS? ( QUANDO FILMES POP SÃO MAIS QUE FILMES DE "ARTE" )

Uma das coisas mais ridículas em certos "diretores de filmes de arte" é o fato de que muitos deles nada têm a dizer. Tudo o que eles fazem é mostrar o óbvio como se fosse novidade. Seus filmes, sempre lentos, solenes e vazios, são peças onde pessoas ansiosas por "sentido" podem pendurar todo tipo de interpretação. Na verdade esses filmes apenas são "sensações", imagens captadas que em seu vácuo pretensioso são como comerciais do próprio "autor".
Mas veja este filme. Um sucesso em 1967, é sobre um desajustado que é pego e vai pra prisão. Nada de muito cruel nessa prisão, o filme não é sobre denúncia social. Na verdade, em sua primeira parte ele é quase uma comédia. Pois bem, nessa prisão ele logo desafia o líder dos prisioneiros. Voce pensa: Ah! Captei! Eis o tema do filme! Mas não! O herói perde uma luta desse "vilão" e para sua surpresa eles se tornam amigos. Juntos, vencem jogos de azar e ganham uma aposta com os outros presos: o herói engole 50 ovos em uma hora. Mas é ao final dessa cena que voce percebe qual o tema do filme ( e esse tema é surpreendente ), o tema é Deus.
Ao vencer a aposta e ser celebrado por todos, ele é deixado sobre uma mesa, só, braços abertos e pés cruzados, exausto, como um Cristo. Acidente de filmagem? Intenção? O filme começa a unir seus pontos, é diversão pop, e é arte, arte natural, arte americana.
O herói ( Cool Hand Luke ) começa a fugir do presídio. Foge por impulso, sem planos, sem chance de conseguir escapar. É sempre recapturado, é sempre festejado pelos outros presos, e acaba por tentar mais uma vez. Há um momento crucial: quando após ser surrado, ele volta a cela. Festejado pelos colegas, ele diz: "Parem de fugir em mim. Quando voces farão igual?" O sentido se revela: os outros vivem por ele. Assistem seus feitos, sentem-se vingados, mas não movem um dedo para o ajudar ou tentar acompanhar. Adoram-no. Passivamente.
O filme seria ótimo se fosse só isso. Mas como foi produzido em 67, é um filme ateu. O herói diz não crer em Deus e é daí que vem seu sentido mais terrível. Se os outros presos têm a ele como consolo, esse Cristo do vazio nada tem. Na última cena ele desafia Deus a lhe ajudar e nenhuma resposta vem. O filme joga-nos na cara essa questão: Cristo teria percebido que ninguém havia para o ajudar?
Após sua morte seu amigo divulga sua lenda. Vemos toda sua saga ser aumentada, colorida, mitificada. Luke será o modelo dos presos. Mas será sempre só.
Paul Newman faz Luke. Seus olhos azuis de criança das ruas nunca foram melhores. A cena em que ele sabe da morte da mãe e toca um banjo é cruciante. Stuart Rosenberg dirigiu. É mais um dos vários diretores da época destruídos pela doideira geral. O filme fez dinheiro, teve elogios, mas ao contrário de Bonnie e Clyde ou A Primeira Noite de Um Homem, este Rebeldia Indomável está meio esquecido. Vale muito a pena. É um belo exemplo de arte em cinema popular.