PETER E WENDY- JAMES M. BARRIE, UMA OBRA-PRIMA

James Barrie nasceu em 1860. Aos sete anos sofreu um trauma: a morte do irmão David, aos treze, e a consequente tristeza da mãe. Barrie se tornaria muito famoso com uma peça: Peter Pan, que estreou em 1908. Ele viria a falecer em 1937, após um casamento infeliz e uma vida de sucesso literário. PETER E WENDY é a adpatação em prosa da peça PETER PAN, feita pelo próprio Barrie. É, sem a menor dúvida, uma obra-prima. Superlativa em termos de criação, invenção, estilo e profundidade. É ainda um testemunho do que foi a infância no século XX, e do que ela não é no século XXI.
O livro começa já em alto nonsense. Nana é a babá, e ela é uma cadela. O pai só pensa em ações e dividendos e a mãe se anula em seu amor materno. Wendy, John e Michael são os filhos e numa noite, Peter Pan invade o quarto e os leva para a Terra do Nunca. Esqueça o desenho Disney, o filme de Spielberg ou o drama sobre Barrie com Johnny Depp ( todos são bons, mas nenhum o é como aqui ), esta novela tem tons de maravilhamento, de sombras e de dor que nenhum dos veículos nomeados acima pode tocar.
Algumas falas são estupendas, e quando Peter diz: "Morrer deve ser uma maravilhosa aventura!" o livro se torna gigantesco. Raros autores conseguem espelhar a vida de forma tão profunda e tão simples. James Barrie vai se aprofundando em arquétipos sobre arquétipos, e tudo parece incrivelmente natural.
Peter não tem memória. Ele se esquece. E tudo o que ele vê é a si-mesmo. Ele se ama, se gaba e crê em sua invenção. Peter cria seu mundo todo o tempo. E a contagem de dias e meses não existe. Cada dia é uma dia encadeado no dia anterior. E cada um desses dias será igual ao anterior e ao mesmo tempo totalmente novo. Peter se move em vôo porque crê poder voar. Assim como tem contato com as fadas porque deseja ter. O mundo onde ele vive é criação sua e quem lá vive deve segui-lo e adorá-lo. E todos amam Peter Pan. Barrie não tem pudor em dizer isso: a juventude é a única sedução. Ser jovem é tudo o que importa. Envelhecer é a morte. Peter Pan atrai por ser o espirito da eterna juventude, e sendo sempre criança, ele é alegre, ágil, vivo, criativo, irriquieto e desmemoriado. Ele faz coisas, não pensa coisas, ele age por impulso, nunca planeja, ele não agrada, é agradado, ele não ama, se ama.
Wendy é a mulher, e mulheres amam Peter. Elas amam seu jeito infantil que promete fragilidade. E se surpreendem com sua força e coragem. Peter tira-as da vida tola e maçante, leva-as ao mundo da não-regra, mas tudo o que ele deseja é que ela seja SUA MÃE. Peter não tem mãe, ele nem sabe o que é uma mãe, mas ele sente precisar de uma. Ela cuida de sua casa, conta histórias e remenda suas roupas. Sininho é uma fada. Ela depende de Peter. Sem sua fé ela não pode existir. É ciumenta e vingativa. Temos aí as duas mulheres que atraem Peter, a mãe e a irmã.
Com ele vivem os Meninos Perdidos. São filhos que se perderam dos pais. Peter é seu lider, seu chefe, seu ídolo. Mas o que eles realmente querem é um lar. Têm uma vaga ideia do que seja isso.
E surge Gancho. Uma criação genial, o CAPITÃO GANCHO é vitima de uma terrível melancolia. No tic-tac do jacaré que o segue há a consciência terrível do tempo que passa e da morte que virá o comer. Gancho odeia Peter porque Peter não se preocupa com nada. Peter zomba de tudo. Gancho é preocupado com etiqueta, com bons modos e ao pensar ter vencido Peter tem seu momento shakespeareano: sente o vazio da vitória. Dois breves momentos revelam um horror subjacente a história: Wendy sente atração por Gancho, e Peter sente-se como ele ao matá-lo. Gancho é o Peter Pan que cresceu.
Wendy volta a casa e reencontra os pais. Esse reencontro é feito com maravilhosa delicadeza por Barrie. E me comove o momento em que Peter olha esse reencontro pela janela e sente que aquilo não é para ele. Peter não tem casa, lar, pais. Ele voa.
Peter visitará Wendy todo verão. Mas seu tempo não se conta e ele desaparece por vários verões. Reencontra Wendy velha, que se envergonha. Ele mal percebe que ela envelheceu, só tem olhos para si. A filha de Wendy se encanta por Peter e parte com ele. A neta irá com ele também e por todo o sempre assim será...
John se torna um homem de guarda-chuva e pasta, Michael um juiz soberbo. O dom de voar e a Terra do Nunca um vago brilho esquecido.... Será?
O livro tem tantas frases belíssimas que sinto a tentação de ficar citando e citando. Não o farei. Leiam. É lançamento recente da LPM, fácil de achar e barato. O que desejo dizer é que não sei se as crianças de agora ainda são Peter Pan. Temo que não. Elas caem logo no mundo real e são engolidas pelo tic tac do jacaré. Gancho as vence e seduz com rapidez. Porque Peter não tem horário, não segue normas, cria seu mundo e sua história, corre, voa, pula e briga. Dança e canta todo o tempo e ignora todo o mundo, menos o seu desejo. Medo? Apenas um: crescer. Observe, ele não teme morrer, ele teme crescer. Crescer seria ficar em casa, obedecer, se adaptar, deixar de voar. Peter Pan tem um limite, não pode amar de verdade. Amor seria submissão. Ele é livre.
Eu diria que hoje todo homem pensa e tenta ser Peter Pan. Mas as crianças deixaram ele e Sininho para trás. Quanto as mulheres.... elas sempre são e serão as Wendys, aventureiras que nunca se esquecem da hora do remédio, da hora de dormir e do momento de voltar pra casa.
Puxa! É um livro triste pra caramba!!!!!! Mas eu amo esse Peter Pan!!!! É a melhor parte de mim, a única que me faz feliz. E quando fecho os olhos e me sinto contente é sempre ele que me faz voar e me leva por aí. Ah! Viver, Morrer, Matar ou Perder....tudo é uma imensa aventura!!!!