O MOINHO SOBRE O RIO- GEORGE ELIOT ( REVOLUÇÃO INDUSTRIAL X ROMANTISMO )

Ser mulher em 1840. Mulher possuidora de inteligência viva e de ansiosa energia. Assim foi Mary Ann Evans, nome verdadeiro de George Eliot. E assim é Maggie, heroína deste monumental romance. A autora foi criada em forte ambiente religioso. Passou a duvidar de tudo e tornou-se escritora. Na vida afetiva precisou enfrentar a má fama de se unir a um homem casado e pai de duas filhas. Evans/Eliot não é uma artista do estilo, seu brilho é o do pensamento, da criação de tipos. Como Maggie, menina pela qual todo leitor irá se apaixonar.
Pois Maggie nasce "com pele e cabelos de cigana", em mundo onde ser pálido e louro é a lei. É o interior da Inglaterra, mundo de moinhos e da classe média ascendente. Mais que pele e cabelos morenos, Maggie é uma força da natureza. Ela é curiosa, ela é viva, ela está sempre em movimento. A primeira parte do livro, centrada na infância de Maggie, e em seu irmão Tom, teimoso e corajoso, no pai desastrado que a adora e na mãe tola e ingênua, é forte e poética como poucas coisas já lidas. As primeiras 200 páginas voam, passam em amor pelos personagens de Maggie e Tom, mas também em encantamento pelos parentes sovinas, invejosos, moralistas, dogmáticos. O pequeno mundo movido a negócios, a dinheiro aplicado, a rendimentos.
O centro do livro é a terra. Todos lutam por ela. O homem, pela primeira vez em toda a história, percebe que seu mundo não mais lhe pertence. As coisas mudam, são destruídas, paisagens se vão. Não existe mais a continuidade, e esses seres, agitados e saudosos, se movem nesse mundo incerto, que teima em negar o passado, em se transformar. O trauma que a Europa viveu então se faz notar pela violência de suas revoluções, guerras e movimentos mentais. E neste livro se nota pela destruição de todos os sonhos de Maggie.
George Eliot é cruel com Maggie? Como poderia ser se Maggie é ela mesma? Mas nada dá certo para aquela adorável menina. Seu tempo é tempo feito para gente que não é como ela é. Maggie nega o amor, se perde e passa toda a vida ansiando pela volta a infãncia. Eliot traduz assim o romantismo de seu tempo: saudades da infância européia, onde todo recanto era sem dono, toda árvore era sua companheira por toda a vida e cada estação seria sempre exatamente como fora a anterior. Maggie sabe que esse mundo fora destruído. Mas ela passa pela vida crendo em sua volta.
Há um momento em que George Eliot se deixa perder. Quando Maggie se divide entre dois amores o livro perde originalidade e se torna mais um romance de amor sofrido. Mas isso logo é resolvido e o final é de trágica e bela verdade. Eles tinham de terminar assim, não poderia haver outro fim.
Mary Ann Evans sabia, e diz isso várias vezes, que a grandeza da Inglaterra estava firmemente construída sobre a teimosia dos compromissos familiares. Famílias negociavam com famílias e lutavam pela manutenção de seus bons nomes e de sua fortuna. O inglês era um ser de pensamento sólido, imutável, limitado e sem temor. Esse modo, sem imaginação, de avançar sempre e de manter a palavra dada, segundo Eliot, levaria o país ao poder mundial. Mas faria de Maggies e Toms vítimas de um mundo feito pelo e para o dinheiro.
Seiscentas páginas que poderiam ser mais. George Eliot foi uma grande mulher.