Entre 1969 e 1975, todo ano, a crítica inglesa elegia alguém como o "futuro do rock". Se em 1975 esse futuro se chamava Bruce Springsteen, em 1969 seu nome era King Crimsom. Assim como nos outros anos foram Bowie, Roxy Music e Sparks. E durante todo esse tempo, a molecada proletária de Newcastle, Bristol ou Manchester tinha ouvidos apenas para dois nomes: Slade para as bebedeiras e Rod Stewart para ficar no quarto ( e beber às vezes ). Esqueça o Rod Las Vegas de agora, creia-me, até seus trinta anos ele foi O Cara.
Foi jogador de futebol e coveiro e em 67 tirou a grande sorte, entrou para o Jeff Beck Group. Estouraram, ele, Jeff ( estrelaça ) e Ron Wood no baixo. Mas a banda terminou às vésperas de tocar em Woodstock ( chamaram o Ten Years After para os cobrir ). O disco AN OLD RAINCOAT WONT EVER LET YOU DOWN é o primeiro solo de Rod. Vendeu pouco, hoje é um clássico. Porque?
Leio uma velha crítica da Rolling Stone que entrega o motivo: Rod foi nessa época o único compositor/cantor que realmente sabia cantar o MOMENTO DECISIVO. O momento em que um garoto mata aula pela primeira vez, em que uma menina divide seu lanche no recreio, um velho penteando o cabelo e se lembrando do passado, um cego cruzando a rua e sendo ajudado por um estranho, o flagrante de um bandido, o primeiro porre, a dor do primeiro chute na bunda...Rod cantava todos esses temas, e o principal, sua voz tinha o dom para cantar isso a grande altura. Era uma voz que chorava, que se lamentava, que seguia avante e principalmente, dava coragem a quem o escutava. Se houvesse uma voz HERÓICA, essa seria a voz do jovem Rod.
Mas em 1975, milionário, ele sai da Inglaterra e vai morar em LA. Loiras e carros passarão a ser seu único assunto. Muitos dizem que a mudança de Rod, ao deixar seus fãs proletários desiludidos, abriu o caminho para o punk rock. Pois é...
O disco de 69, seu primeiro, com Ron Wood no baixo e guitarras, começa com uma versão lenta de Street Fighting Man, e o que posso dizer é que ela NÂO é pior que a original. Ela é enevoada, mais inglesa, mais contida. Em seguida vem Man Of Constant Sorrow e aí a coisa pega. Numa de minhas crises essa foi um hino. Ela realmente te tira do poço. E dá a certeza de que se o rock precisasse de um Keats, esse seria Rod. Blind Prayer é quase um blues e dá pra ver o que Ron seria se jamais tivesse ido aos Stones. Handbags vem agora, mas falo dela no fim.
An Old Raincoat se tornou depois um hit em shows de Rod. É uma celebração. Change a Thing é uma ambiciosa tentativa de progressivo e Cindys Lament continua a saga. O disco fecha com Dirty Old Town, que é dirty e não ficou old. Weeel... é hora de falar de Handbags.
Ela se inicia com um oboé e entra um piano. É uma canção. Uma das coisas que não consigo entender é como um cara de 16 anos pode hoje viver sem canções de amor no rádio. Canções, não falo de R and B mela cueca, não falo de choradeiras de meninos ao piano, nem de mocinhas e seu violãozinho, falo da canção de amor sem neurose, da canção doce, viril, de voz potente e alta, a canção de menestrel, exaltando o amor, a canção que dá vontade de amar, que desperta a saudade de amores idos. Handbags é isso e é mais.
O período 1969/1979 é considerado o momento auge da canção de amor. Não por acaso é a época de Paul MacCartney, de Roxy Music, de Elton John e de Stevie Wonder. Tempo de Paul Simon, Eagles, Queen e um monte de one hit makers. Rod foi rei nesse universo, Handbags é de seus cumes ( mas não o único ).
Ouço essa canção e vejo diante de mim todas as meninas que amei um dia. E as manhãs em que acordei com a certeza desse amor. A canção rola por dentro de nossas veias e não nos dá o desespero de amores falidos, mas sim a saudade do mel do amor de verdade. Rod tinha isso: a dor vinha, mas sua voz sempre fazia tudo valer a pena. Nunca foi voz pequena.
Ouvir essa canção hoje é um privilégio. O tempo passa, Rod fica cada dia mais Dean Martin, mas seu lugar em meu coração é reservado.