UM RIO CHAMADO TEMPO, UMA CASA CHAMADA TERRA- MIA COUTO

Renascimento. Cruza-se um rio e do outro lado desse rio há um morto. Deve-se enterrar esse avô que não quer e não pode ser enterrado. Mas esse morto não está morto e na verdade na Ilha que existe nessa outra margem tudo é vivo.
Nesse mundo tudo ainda é um sentido e nessa Ilha toda pessoa é uma história impar. O narrador cruza esse rio e adentra a terra em que nasceu, e reencontra sua familia inteira e resgata os absurdos que dão sentido e dão vida a sua vida. Água e terra.
Penetra-se num mundo onde tudo é sonho e a realidade fertiliza-se em sentidos multiplicados. Cai-me às mãos à hora certa este livro, simples e entontecedor. Dica de amigo e que agora resolvo ler.
O avô que morre é o planeta que agoniza? A casa da origem é a Africa que se apodrece, que envelhece antes de nascer? A terra seca que vira pedra, as pessoas são orfãos que nunca tiveram lar para ter saudade, tudo é morte e ruína, mas o avô, meio morto, ensina ao neto as artes de ver e conhecer. E nós leitores, o que lemos é prenhe de imagens.
O final é uma árvore. E o rio que é o tempo que passa.
Para nós, filhos de ibéricos com acentos afros, raça que é celta, é árabe, é indígena e é escrava, o estilo de Mia Couto é como canção de ninar: familiar e cheia de sonhos nitidos. Para saxões ou francos parecerá exótico, para nós é cantiga. Uma escrita gorda de significados, de deuses e de inconsciencias coletivas, e simples como rio e como noite escura. Couve refogada e feijão branco com bucho. Uma escrita tão torta como fado e tão significante quanto tambor.
Cruza-se uma fronteira e vive-se um renascimento. Avô e tias e tios e gente da aldeia. Dores e raivas e paixões que nunca morrem. Obrigado pela dica. O moçambicano é um escritor que tem muito a dizer.