CEES NOOTEBOOM E MAIS BENJAMIN E AINDA HEGEL

Estou lendo um autor bem interessante: Cees Nooteboom. É o principal autor da Holanda hoje. Escreve filosoficamente, é bastante materialista, mas é um materialismo em crise. Tenta abarcar tudo o que importa agora: a falência da sensibilidade, a vulgarização da história, a falta de rumo da existência, a memória persistente, o fim de tudo todo o tempo. Sobre o livro que leio hoje, falo depois. Quero antes citar algumas coisas de interesse.
O século XX é o século da ironia. Tudo é olhado com dúvida, com distanciamento. Ora, com ironia não se dá um passo. Se voce não se entregar sem reservas a nada, se voce não tiver fé em coisa alguma, nada será feito, produzido, tentado. A vida se torna um sempre "quase", um talvez, um relativo quem sabe ou outra vez. Mas, estranhamente, o século XX é feito e destruído na Alemanha, país desprovido de ironia.
Alemanha é nação da punição. O alemão está sempre se policiando, se vigiando e se punindo por seus erros. É um povo que ama seu sofrimento: Wagner, Beethoven, Nietzsche, Rilke, Freud e Strauss. A imagem de Nietzsche abraçado ao pescoço de um cavalo e pedindo perdão a todos os animais da terra é a imagem da Alemanha. Ela faz a guerra e sofre a derrota, sempre. Sua ânsia é a vontade de perder. Porque isso?
É um país de nevascas, de vales escuros, de florestas eternamente em névoa, de montanhas isoladas. Tudo na Alemanha era mistério: cavernas, bruxas, bosques, mitos, sangue em abundancia. De toda a Europa é o país que pior se adapta a modernidade, a razão fria, ao tempo sem segredos. Mas, como povo guerreiro, ele corre rumo a liderança, sacrificando sua "alma". Dá-se a irrupção sazonal do inconsciente, do espírito, do que foi negado. Já a Holanda é seu oposto: uma nação sem montanhas, sem cavernas, plana e simples, exposta, anti-segredos, reino da burguesia, dos bancos, do pensamento moderno, onde tudo é reto, claro e sem mácula.
Nooteboom fala ainda dos humanos extintos. Características humanas em vias de desaparecer. Humanos tímidos. Ninguém mais é timido. Todos sabem posar para fotos, criar nomes falsos, sair de casa sozinho. O rubor está sumindo, a mocinha de seio rosado e bochecha rosa, olhando para o chão; o mocinho timido, sonhador, romantico velado, gaguejante. A timidez foi morta pelo mundo do espetáculo, pelo show, pela vida em escritório, pelo cinema americano, pelo rocknroll. O respeito é outro valor extinto. Tudo o que importa é a minha verdade, e se a minha verdade é só minha a sua verdade me é irrelevante. Não respeitarei alguém que deseja ser mais verdadeiro que eu mesmo. Não respeitarei ninguém, pois respeito é negação de si mesmo. Esse pensamento torto, bobo, ridiculo se torna dominante com a tecnologia ( onde tudo é relativo e sem hierarquia ) com o fim da timidez ( timidez que traz a vida interior ). Para o futuro haverá a extinção da verdade, do subjetivismo e da solidão.
Tudo isso nas 130 primeiras páginas de Nooteboom.
Uma citação de Walter Benjamim:
"... é assim que o anjo deve ser representado perante a história. Com esse olhar crispado voltado ao passado ( ele fala de uma pintura de Paul Klee ). Onde nós vemos um encadeamento de fatos que significam nossa história, o anjo vê apenas um momento único de catástrofe absoluta. Esse anjo gostaria de ficar e ressuscitar os mortos, abrir a luz nos escombros. Mas do céu desce um vento irresistível que arrasta suas asas ao porvir. Os escombros, o entulho se agiganta a seus pés alcançando montanhas, mas o anjo precisa voar, rumo ao destino. É a essa tragédia que damos o nome de progresso".
Uma citação de Hegel:
" Voce está num trem bem iluminado. Voce observa por toda a viagem o ambiente e seus companheiros de viagem. Rostos, vozes, roupas, gestos. Voce crê então conhecer a realidade daquele vagão. Então voce pede a outra pessoa para descrever aquele vagão, descrevendo inclusive voce. E descobre que a realidade para ela seria uma aberração para voce. Pois ela não considerou nada do que lhe é mais real. Ela não percebeu seus sentimentos, seus desejos, seu passado, aquilo que voce ama em voce e renega em voce. Ela simplesmente não conheceu a realidade. É por isso que toda a história do mundo é impossível de ser apreendida."
Nooteboom, como todo grande artista, vai mais longe: É por isso que a Verdade não existe.