Tenho percebido que a Cultura tem dado uma ressuscitada. Talvez seja a crise que está fazendo com que ela retorne a algum tipo de espírito "Tv Cultura anos 80".
Ontem ví Barbara Heliodora no Roda Viva. Ela é alta-classe. Formação inglesa, ela não admite teatro que não respeite a intenção do autor. Voce pode criar sobre o texto, desde que esse texto seja contado. Mais interessante é como ela explica o modo como se deve abordar uma obra : o crítico deve descobrir qual era a intenção do autor, e a partir daí, observar se o objetivo foi atingido. Exatamente o que dizia Pauline Kael e exatamente o que tento fazer.
Ela diz que Gielgud, Olivier e Redgrave foram os maiores.
Em seguida vem um documentário sobre Laura Huxley, a viúva de Aldous. Maravilhoso! Várias cenas de Huxley ( inclusive de sua vinda ao Brasil ). Laura tem uma presença estranha. Ele a considerava um tipo de anjo. Aos 95 anos, magérrima, ela é de fulgurante alegria, uma eterna criança, no sentido belo de ser criança : brincalhona, curiosa, cheia de vitalidade.
Conta das experiencias com LSD dos dois. Que o ácido não dá alucinações, ele faz com que portas se abram dentro de nós, coisas que jaziam dentro saiam para fora. Ela descreve a viagem dela e dele. O peyote inclusive.
Naquele tempo o LSD era legal, e toda faculdade americana tinha seu grupo de estudo sobre o ácido. Logo Timothy Leary veio com seu lema : Ligue-se, caia fora, saia de casa. Huxley foi contra esse desbunde. Ele pensava que o LSD deveria ser usado com muito cuidado. Bem... de qualquer modo, existem cenas históricas de Huxley com Leary e entrevistas na tv sobre LSD.
Há uma fala de Aldous profética. Ele diz que a publicidade está penetrando no inconsciente das pessoas. E que isso será devastador para aquilo que consideramos humano. Tudo o que se torna inconsciente se transforma em parte de nosso ser. E se uma mensagem publicitária se aloja em nosso inconsciente, deixamos de ser 100% humanos e nos fazemos mecanismo de consumo.
Diz ele que toda tecnologia é boa, desde que respeite a biologia do homem. O equilibrio biológico e quimico do ser deve sempre manter-se intocado. Nada que não seja humano deve penetrar dentro do homem. Ou haverá o desequilibrio.
Mostra-se a bela casa onde eles moravam ( em Hollywood ), as crianças, os livros, os quadros. Laura descreve a morte do marido, uma "passagem" tranquila sob efeito de LSD. Christopher Isherwood é várias vezes citado, cenas com o amigo Igor Stravinski, com Orson Welles e com George Cukor ( a nata do cinema frequentava a casa ). Mas o que mais brilha é a presença de Laura, com olhos de bruxa e voz de italiana da renascença.
Uma história do Brasil: em 1960, convidados por Kubistcheck, os dois vieram fazer conferências. Viajaram então ao interior do Mato Grosso, para conhecer os indios. No meio do nada, em meio a tribo que os recebeu bem, eis que um dos moradores, de olhos arregalados e mãos trêmulas, se adianta e maravilhado pergunta: "O senhor é Huxley? Contraponto? Huxley? Contraponto?" Aldous sorri emocionado. Laura diz ter sido essa uma das lembranças mais caras a Huxley.
Conclusão: em noites entediantes, com 102 canais a disposição, é na velha tv Cultura que ainda encontro alguma inteligência. Valeu!