Estive lá. E vou de novo.
Na rua suja e de buracos novos, carros aos montes estacionados de frente à calçada. Fuscas de capô transparente, Opalas laranjas de rodas que brilham e parecem de brinquedo. Ômegas pretos exalando fedor e novos modelos orientais ( Kia, Hyundai ou Honda, quem sabe ? ).
Cada passo que dou é um barulho ensurdecedor. Caixas de som que fazem o carro e a rua balançar. Rap, eletro e funk. Meu amigo me guia nessa coisa dantesca, é meu Virgilio em inferno de paraísos insuspeitos. Não vejo droga nenhuma, mas sei que tem. Muita.
Já assisti Velozes e Furiosos, todos os quatro, várias vezes, e sei que este mundo está imitando aquele mundo. Tem bandanas, tem correntes de prata, tem tatoos. E meninas. Mas talvez Fast and Furious seja tão imitado aqui quanto o povinho dos jardins tenta imitar Johnny Depp e o mundinho de brilhinho de algum super diretor playboy tipo Nolan. Eu me penso em alguma tosqueira de Robert Rodriguez ou nalguma coisa ebuliente de Tarantino.
Mas não é nada disso. Quando noto um casal transando no carro acordo e sinto que ali é pra valer e que Vin Diesel não é o modelo, ele é a cópia. A menina de short que encosta a mão e passa a unha pelas minhas costas é real. Não é Michelle Rodriguez ou Fergie. O mundo dela é este mundo sem nenhuma noção de passado. Ou futuro. O molde é uma junção daquilo que se pode ser com aquilo que nunca se foi. Buracos.
Percebo que muita gente me encara. Nunca me viram por lá e algo no meu jeito diz que não sou dali. Mas Virgilio é respeitado e ele me guia e me apresenta. Maicon, Zé do Fumo, Monique, Bia... Os caras nada têm a dizer, tudo se resume a : Aí, Bacana, Diz ou Certo? Mas ela me segue.
Virgilio tem um Ford Turbo qualquer coisa azul metálico. Ele não faz racha. E eu sou contra rachas. Não é por isso que estou aqui. Eu procuro a minha Beatriz.
Se ela nunca foi encontrada nos enfumaçados bares onde doidinhas de marijuana dançam reggae em copos de sexonthebeach, e se ela não deu o ar de sua graça em sons eletrônicos onde todos vão para seduzir e não ser seduzidos, se ela nunca se materializou em poltronas de escolas ou salas de livrarias, onde o que vejo são sufocadas moças sem rumo procurando o mesmo que eu; bem, então é hora de ir onde eu sempre desejei ir e jamais fui: ao mundo de verdade. Onde se pensa pouco e se faz tudo.
Mas dá para se achar uma Beatriz em meio a minissaias que rebolam e calças justas de plástico?
Olho no fundo dos olhos dela e vejo que lá mora algo que me anima. Por detrás do rimel que é espesso e no além dos ensaiados olhares ferinos vive a moça que procuro. Se no mundo que conheço estilo é sexo, aqui o sexo é o estilo. Ele está escancarado em cada gesto e em todo diálogo. A intenção não é a de se encontrar um amor ou a de se mostrar resolvida, não existe intenção a não ser a de se existir. Sem saber, neste mundo ninguém é alguma coisa, eles estão lá.
Eu poderia continuar usando meu passado e falar dos trovadores e de que estou na idade média. Poderia ainda falar de Jung e mais uma vez falar que Freud ficou passée. Ou começar a dizer odes aos corpos à Whitman. ( Pois elas sabem atirar, cavalgar e lutar, como o poeta queria ). E é exatamente por poder falar tudo isso que meu mundo jamais será o deles. É exatamente por isso que o máximo que poderei ser é um Pedro Juan Gutierrez de SP ou um Henry Miller do Taboão. Pensar sobre eles e nunca poder experimentar o que é ser um entre aqueles.
Há um abismo entre eu e ela. ( Penso em Joyce e sua esposa garçonete. Que ele amou profundamente, ela que dizia que seus livros eram uma merda. Ela que tinha o rabo que ele queria. Sorry pelo "rabo", são palavras do irlandês ). E o fato de eu pensar em Joyce e ter de capturar esse salvo conduto já demonstra meu esnobismo, minha aridez óssea, meu complexo de arrastador de canetas, minha terrível condição de estar entre os 0.000001% do mundo.
Os entediados. Os carneiros, os covardes, os bolhas de sabão.
Nos botecos se vende whisky assumidamente paraguaio e uma menina mostra os seios numa pick-up que voa. Quando amanhece sinto que meu fogo vai alto e que meus espíritos ancestrais estiveram comigo. Ciganos, plantadores de vinhas e árabes em exílio. O céu está cinza chumbo e Virgilio está completamente burracho. Sua ex voltou para um ex ex. A alma procura viver. E tudo que nosso corpo faz é morrer.
Quando acordo, sei lá quando, penso feliz:
Maravilha é não se amputar e se posso unir vidas e mundos, farei.
Se consigo pressentir o erro básico em toda ciência, pressentirei.
Mergulhando na contradição e não querendo encontrar a saída, me perderei.
Porque estes mundos nada mais são que um leve passatempo, mas são jogo que permite vislumbrar a VERDADE. E em meio as rodas zunindo e os seios erguidos posso encontrar um segredo e um prazer. Sexo é fácil, religião é dificil. Reprimimos a alma, não a carne.
Meu carro tem um crucifixo no retrovisor e ela tatuou uma Cruz na perna.
Eu adoro ser chicano!!!!!!!!