ELA ME ENSINA

Nada do que escrevo faz sentido para 99,99999% das pessoas. Este mundinho de livros filosóficos, filmes profundos ( ou charmosos ) não diz mais nada ao espírito que move a vida agora. Todos nós nos masturbamos na crença de que estes prazeres têm alguma importância: pois são bolhas da sabão, bonitas e sem peso algum, ilusões.
Esses ínfimos seres que discutem a bienal e fazem fila na mostra são como doces carneirinhos, estão fadados aos lobos. O povinho fashion que finca pé nos lugares IN, com suas menininhas de pernas de cegonha são como tolos babys johnsson, talcudos e deslumbrados mocinhos que querem crer em sua especial beleza. Carne para açougue, todos eles são fáceis vítimas de qualquer violência, seja a guerra pela grana, seja a sedução da moda, ou pior: a lenta morte pelo tédio.
O mundo é outro e nós dele nada mais sabemos. E quem dele poderia saber não o define, pois ser do mundo de agora é não pensá-lo e jamais falar sobre o que ele seja. Se voce parar e filosofar sobre o agora voce já estará perdendo o momento. Porque este mundo é mais veloz que seu pensar. E nós, minoria mimada, ainda na pressa de carros possantes e de aviões a jato, não queremos notar que nossos valores nada mais têm de valor e que nossa fé na mente humana é de uma antiguidade vagabunda.
Porque se uma empresa é transnacional, nada em Marx faz mais sentido e se uma pílula me deixa livre de tristeza e angústia, Freud deixa de ter relevância. Uma menina transa com o namorado e com a irmã ao mesmo tempo, e no dia seguinte não sente a menor culpa; uma outra sai de casa e rouba uma velha na esquina, ao mesmo tempo em que salva um amigo de um assalto... como iremos colocar essas pessoas em nossas categorias século XIX ? Voce pensa que elas querem amor, liberdade, ou paz ? Para elas tudo isso já foi testado ( muito cedo ) elas querem dinheiro e dinheiro e dinheiro e são muito mais honestas sobre isso que eu e que todos nós. Para 99.99999% das pessoas do mundo, viver é tentar ganhar uma grana, e todo o resto é futilidade ( sexo, amor e liberdade inclusos ).
E vou falar de maio de 68, de Henry James e o dandysmo, de Lacan ou de Lou Reed ? Que relevância tem isso, a não ser para as borboletas protegidas em sua estufa irreal onde tudo é uma brincadeira para mofar o tempo......
A vida acontece em bailes da periferia, em festas nos arredores de Ciudad Juarez, em Nairobi e em Gaza. O destino do mundo está sendo escrito nos esgotos de Pequim, nas últimas florestas da India, entre os traficantes de Bogotá e no tráfico de armas pelas fronteiras da Russia. Esses são os lobos e os cães de rua que fazem o caminho da Terra, enquanto os cordeirinhos dançam em clubinhos de vidro pensando que eleger Serra ou Dilma significa alguma coisa. E que cheirar uma carreirinha na mesa da sala significa ser rebelde e viver em perigo. Viver.
A vida vive entre aqueles que correm em fuga ou correm em caça. A vida é dos predadores e dos bacilos em cólera. O resto pasta.
Ela esfrega na minha cara, toda noite, que essa vidinha de Freud, Nietzsche, Joyce é masturbação. Que viver é a porrada na cara, o sangue nas costas , a fome e a sede. A vida é muito maior que o caderno cultural da Folha. E ela não se resume ao novo disco dos Strokes, ao show de um simpático senhor ou ao filme bem louco de um diretor da moda.
Ela acontece sem que a gente pense sobre. É um ralo. Uma unha afiada e um pé descalço.
E enquanto isso a gente engorda.