PONDÉ, ANCESTRALIDADE. UM GOL DE PLACA.

Abrãao, Freud, Nietzsche, Montaigne e Hume.
A Bíblia ( o Velho Testamento ) nos mostra que o homem não é confiável. O homem mente, rouba, mata, é injusto. Pondé começa seu texto por Abrãao, e diz que todos somos ancestralidade, e que nossos patriarcas são também os autores que nos marcaram. Eu incluiria que a Bíblia também nos mostra que Deus não é justo ou injusto. Que Seus designios nos serão sempre incompreensíveis.
Freud disse a Pondé que o homem é barco em mar de destruição. Acrescento que Freud, como a religião, é questão de fé. Voce escolhe crer em Freud e aceitá-lo. Ele é consolo de ateus. Freud foi um ateu inconsolável que criou sua nova religião. Pseudo científica. Freud brigou com o pai por ciúmes da mamãe. Ao romper com sua ancestralidade perdeu-se.
Nietzsche lembra-nos que o verdadeiro homem não é ovelha. Ele demole a passividade cristã. Mas é profundamente religioso. Nietzsche sofre da nostalgia pagã. Quer crer em Dionisio. Ele, que foi um inibido herói, louva a força moral e física.
Nietzsche fez de mim um solitário. Contra os rebanhos. Sejam rebanhos existencialistas, rebanhos da moda ou rebanhos de igreja.
Sacada genial de Pondé: o ceticismo de gregos, de Montaigne e de Hulme abala a fé. Fé na ciência e não na religião, como pensam os que entenderam mal. Como crer na razão? A ciência cada vez mais se parece com um brinquedo oco e fútil, a razão nos leva onde? O que nós realmente sabemos? Qual a segurança que a razão nos dá ou deu?
A parte em que Pondé fala de Pascal e Agostinho é melhor ainda. Ser otimista hoje é ser mal-caráter ( concordo ). Ser cristão como uma luta contra a natureza humana. Mas não luta contra impulsos sexuais, como o século XIX dizia, mas sim contra os impulsos da vaidade e do orgulho. Da inveja. O homem como ser que inveja Deus ( o pai ? ).
Adiciono: o homem como ser ressentido com TODOS os pais. Ressentido com Deus, com Abrãao, com Platão, com Dante, com Shakespeare, com Tolstoi, com Proust. Invejoso de gigantes. Tentando sempre demolir, denegrir, difamar, diminuir o que é gigantesco a seu ínfimo tamanho.
Pondé fala de Dostoievski. Pondé diz que Dostoiévski vai radicalmente contra a "ciência auto-estima". A iluminação não está no mergulho na luz, mas sim na sombra. Só ao se esmagar o orgulho se atinge a humildade e a vontade de viver. O que me recorda algo em que penso muito: todo neurótico é obcecado por sí-mesmo. Uma vaidade e um orgulho umbigal. Cegueira pela luz e pavor da sombra.
Rosenzweig: a metafísica é consolo de quem teme a morte. O que deve nos guiar não e´a esperança mágica em milagres, mas sim a consciência de que somos nós um milagre em sí.
SOMOS UM MILAGRE CAMINHANDO ENTRE O PÓ. O que posso acrescentar a isso? Os poucos momentos de absoluta felicidade que vivi foram sempre confirmação disso. Deuses e pastores não fazem milagres, o milagre é a vida ao nosso redor. Eu aqui e voce aí, a vida só vale a pena com essa certeza, somos O milagre.
E Pondé recorda Otto Maria Carpeaux ( o homem que escreveu as melhores páginas sobre música que já lí. E que voce tem a obrigação de ler ). Otto dizia: Quando o espírito se ergue o corpo se ajoelha. Posso desenvolver isso: Quando fui a missa de sétimo dia de meu pai senti uma certa emoção. Mas me é impossível ajoelhar na igreja. Fico de pé em meio aos fiéis ajoelhados. Não concordo com aquela prova de "ovelhice". Mas segundo a frase de Carpeux, é meu espirito que não consegue se erguer, e portanto, meu corpo não se ajoelha ( claro que a maioria se ajoelha por automatismo. Ou não? ). Orgulho e vaidade. É a verdade. Sou vaidoso demais para me ajoelhar. Porque?
Nelson Rodrigues. Pondé o coloca nas alturas. Assim como meu "ancestral patriarca" Paulo Francis ( sem Francis quem educa a atual molecada que lê jornal ? ). Francis percebeu que todo intelectual seria desde então um medroso e um mentiroso. Teria o medo de ser diferente, de ser único, e mentiria advogando verdades nas quais nem ele crê.
Tocqueville, que percebeu que a democracia seria a tirania da maioria e que essa maioria é sempre burra. O grande homem definharia no mundo democrático, pois ele seria abominado pela maioria idiota.
E afinal Burke. No mundo da moda, onde tudo deve ser novo e de agora, nega-se a ancestralidade. Porém a sociedade é uma comunidade de almas de ontem, de agora e de amanhã. Somente vivendo nesse arco de ancestrais é que o homem se faz homem. É assim que ele vence a banalidade que nos destrói.
E Pondé termina esse magnífico texto dizendo: "quem conhece sua ancestralidade, mesmo caminhando no vale das sombras, nunca fica só."
Uma vez, conversando com um amigo, perguntei o que nos daria hoje uma pessoalidade, um dom individual. E é neste texto que está a resposta. Em mundo que nos obriga a parecer único, jovem, alegre e sempre querendo se reinventar, a humanidade estaria em ser apenas mais um. Está na humildade de se reconhecer como filho, como neto, como descendente de um passado que jamais morrerá. E como elo que traz o futuro que será continuação desses patriarcas vivos para sempre. A única chance é essa. Descartar o orgulho da falsa coragem. Pois a maior das coragens é se reconhecer falível, ignorante, antigo, nada moderno, não renovável e assustado.
Humano então.