SOMETHING ELSE- THE KINKS ( OS INVENTORES DO BRITISH ROCK )

Existem algumas bandas inglesas que venderam muito nas Ilhas, que são lá tão pop quanto Beatles ou Stones, mas que por diversos motivos não estouraram nos EUA e consequentemente não tiveram jamais uma popularidade mundial. Penso em T.Rex, penso em Faces e Gary Glitter. Mas a principal banda, que teve uma carreira mundial abortada nos EUA e que apesar disso é um mito em London Town, são os Kinks, a banda do mito Ray Davies.
Mas no inico não foi assim. Em 1964 You Really Got Me estourou na América. E também mais duas outras canções, no mesmo ano. A partir de 1966 eles desaparecem das paradas Billboard, mas continuam sendo reis na GB e criam a partir daí aquilo que conhecemos até hoje como O ROCK TIPICAMENTE INGLÊS, o rock tea party, o rock labour party, o rock umbrella.
Something Else sai em 1966 ( o melhor ano do pop? ). Lidera paradas em Londres, mas em NY chega apenas ao 111 lugar. Porque?
Primeiro por uma mudança de gravadora. Eles vão para uma companhia de fraca representação mundial, mas o principal fato é que em 66 nasce o rock psicodélico, o folk hippie e a banda "solo de guitarra". Os Kinks não são nada disso. Jamais são muito loucos, nunca foram hippies e tocam de forma muito simples. São banda de roupas elegantes, comentários irônicos e nenhuma ingenuidade, e principalmente, de imensa nostalgia. Os Kinks fazem rock, mas ficariam bem na época do rei Eduardo.
Várias pessoas ou bandas desde então, revelam sua paixão por Ray Davies. The Jam, XTC, Squeeze, Elvis Costello, Chrissie Hynde, David Bowie e mais tarde, Blur, The Verve, Supergrass, Oasis e Pulp. E hoje, todo rock britânico que não tenta se parecer com um garoto irado da California.
Eles inventaram esse rock com sotaque british, que tem algo de sonolento, de gramados em fim de tarde. Que falam dos bons tempos ( que sempre se parecem com tempos ruins ), que ironizam a política e que jamais perdem o estilo. São safados, mas é uma safadeza pouco sexy, é uma coisa mais intelectual. São dandys. E ficam todo o tempo satirizando os dandys.
Coloco o disco.
David Watts foi regravada por todo o mundo. É como um double decker bus sem freios. Tudo o que é o tal de rock inglês está aqui. Pa pa pa pa pa pa pa pa!!!! Os Small Faces nessa mesma época os seguiram. Mas foram Ray Davies e seu irmão Dave quem criaram isto.
Death of a Clown cantada por Dave, é um triste balada british. Nada tem de Dylanesca. Há quem a considere obra-prima. É de um sabor ácido e nostálgico. Chega ao patetismo.
Two Sisters. É um som de rádio ecoando na cozinha daquelas tristes casas de tijolos londrinas, todas iguais. Nessa cozinha, Prunella passa roupa enquanto o bebê dorme no berço. Chove frio. A canção, melancólica e linda como só ingleses ERAM, tem cravo dedilhado e bateria marcial. O que MacCartney começaria a fazer em 67, Ray Davies faz aqui.
No Return. Sol em gramado verde. Ray toma seu chá. Nada é mais chá com leite que Davies e os Kinks. Paz absoluta.
Harry Rag. Aí está, o rock fish and chips. Mais Monty Python impossível.
Situation Vacant. Festa, festa, festa!!!!!!!
Love Me Till The Sunshine. Dave canta. Som de mods. Som de jovens com paletós e lenços no pescoço ( foulard ). De piteiras. De Mini-Cooper. Os caras tinham estilo!
Lazy Old Sun. Sim, pode ser psicodélica. Mas à moda Kink. Anuncia os Stones de Satanic. O psicodelismo londrino é urbano. Nada tem de volta à natureza. É um chá do chapeleiro louco.
Afternoon Tea. Ouçam isto junto com David Watts. Voces entenderão exatamente o que eles inventaram. ( Quem falar em Paul e George estará errado. Ray veio antes com este estilo de som e este tipo de comentário irônico ).
Funny Face. O piano dá todo o clima do disco inteiro. Não é disco de guitarras. É de vocais e de arranjos. Mas não a riqueza de Brian Wilson ou dos Beatles pós-67. É um tipo de arranjo nú, mínimo, simples. O que importa é o tal estilo. O andar de guarda-chuva em rua úmida.
End of The Season. Uma obra-prima insuperável. ISTO É ROCKNROLL???? Não. Isto é rock-inglês. Percebe a diferença? Kinks sendo completamente Kinks. Os Hippies os chamavam de caretas gozadores. Depois, a partir de Bowie foram justiçados: célula original de todo o pop britânico.
Waterloo Sunset. A música que fecha os shows deles até hoje. Ao vivo, era cantada pelos Oasis, Blur e Charlatans. È uma ode ao fim do "império". Termina sendo um lindo comentário sobre todo e qualquer final.
Não ouça Kinks em dias de sol. No lusco-fusco de uma tarde sem luz, numa manhã com neblina, sim. Mas não pense serem eles trágicos! Nunca! Embora caiam muito numa "doce melancolia", eles jamais perdem o humor, o dom da sátira, essa coisa de verem sempre os dois lados de tudo.
Se eles lamentam o fim da era eduardiana, eles riem do ridículo dos eduardianos. E se eles são uma banda de rock, que criou um dos riffs mais básicos e geniais do rock, são também a mais anti-rock das bandas, com seus comentários "maduros" e seu modo sob-controle de compor.
Se voce começar a ouvi-los hoje ( triste voce ) pensará que já ouviu som como o deles milhares de vezes. Sim, já ouviu. Mas lembre-se de uma coisa: ELES FORAM OS PRIMEIROS. Tiveram o genial insight de misturar aquela coisa de caipiras americanos com o chá e a erudição afetada de Londres. Deu no que deu. Esse som, enquanto foi temperado com o humor decadentista e a ira do partido trabalhista foi brilhante. Depois, sem a cultura européia e sem a ira, fez-se essa modorrenta coisa sem espinha e sem verdade. Os Kinks repetidos ao infinito e sem razão de ser....
Mas isso não é culpa de Ray Davies, Dave Davies, Mick Avory e Peter Quaife. Ladies and Gentlemen....Something Else by The Kinks !