OCTAVIO PAZ - UM GIGANTE ( O ÚLTIMO ? )

TODA SOCIEDADE AGONIZANTE OU ESTÉRIL TENTA SE SALVAR CRIANDO UM MITO DE REDENÇÃO, QUE TAMBÉM É UM MITO DE FERTILIDADE.
A ESTERILIDADE DO MUNDO BURGUÊS ACABARÁ EM SUICÍDIO.
Esta é a conclusão de O Labirinto da Solidão. Análise de Paz sobre o México. Fascinante viagem entre política, religião, ciência, dinheiro e poesia.
Falar de Octávio Paz não é fácil. Ele foi um gigante! Homem tipo Goethe, Homem que procura saber tudo, mais que saber, compreender tudo. Se temos hoje alguns bons escritores ( Clézio, Coetzee, Doyle, Theroux...), desde a morte de Paz e de Sebald, gigantes não há mais. Octávio tinha a presença.
Cito Pedra do Sol :
AMAR É LUTAR, E SE DUAS PESSOAS SE BEIJAM O MUNDO SE TRANSFORMA
DESEJOS SE ENCARNAM, INTELECTO SE ENCARNA
GRANDES ASAS SE ABREM, NASCENDO NOS OMBROS DO ESCRAVO
O MUNDO É REAL E DEVE SER TOCADO
VINHO É VINHO, PÃO VOLTA A TER GOSTO, ÁGUA É ÁGUA
AMAR É LUTAR, É ABRIR PORTAS, PARAR DE SER FANTASIA NUMERADA
CONDENADA A SENTENÇA DE CORRENTE INFINDA POR SENHOR SEM CARA
O MUNDO SE TRANSFORMA QUANDO DUAS PESSOAS SE OLHAM
RECONHECENDO QUE AMAR É SE DESPIR DE NOMES E ROUPAS (...)
MELHOR TER O CRIME
OS AMANTES SUICIDAS OU O INCESTO ENTRE IRMÃOS
COMO ENTRE DOIS ESPELHOS QUE SE APAIXONAM POR SEUS REFLEXOS
MELHOR SE ARRISCAR A COMER PÃO ENVENENADO
O ADULTÉRIO EM LEITO DE CINZAS, PAIXÕES FEROZES, DELÍRIO
COM SUA HERA VENENOSA, O SODOMITA COM O CRAVO NA LAPELA GOTA DE CUSPE
MELHOR SER MORTO A PEDRADAS EM PRAÇA PÚBLICA
QUE SE DEIXAR VENCER POR PROVAÇÕES QUE ANULAM A SUBSTÂNCIA DA VIDA
FAZEM DA ETERNIDADE HORAS VAZIAS, DOS MINUTOS PENITENCIÁRIAS
E DO TEMPO CENTAVOS DE COBRE E MERDA ABSTRATA.

Esse poema é do Paz de 68, crente nos novos tempos da revolução. Mas logo ele perceberia que essa revolução fez do jovem uma vítima da opressão. Os gritos libertários adotados pelos inimigos e regorgitados como peças de moda.

Uma professora de português, ao ler minha primeira redação, em meu primeiro ano de Fiam, me disse: " leia Octávio Paz! suas dúvidas são as dúvidas dele." Não li. Só o conheci uma década depois.

A PALAVRA POÉTICA E A PALAVRA RELIGIOSA SE CONFUNDEM ATRAVÉS DA HISTÓRIA. (...) MAS O ATO EM QUE O HOMEM SE FIXA E SE REVELA É A POESIA. A RELIGIÃO E A POESIA TÊM ENTÃO ORIGEM COMUM. MAS A RELIGIÃO CANALIZA, INTERPRETA, RITUALIZA, SISTEMATIZA E NOS DEVOLVE ESSA INSPIRAÇÃO NUMA TEOLOGIA. A POESIA ABRE-NOS A POSSIBILIDADE DE EXISTÊNCIA A CADA NASCIMENTO. RECRIA O HOMEM E FAZ COM QUE ELE ASSUMA SUA VERDADEIRA CONDIÇÃO: VIDA E MORTE EM UM ÚNICO INSTANTE DE INCANDESCÊNCIA.

Não conheço definição mais perfeita de poesia. E penso que todo poeta é homem nascendo. Homem vendo a vida pela primeira vez. E penso que todo homem que repele a poesia é homem com medo de nascer ( e de morrer, pois viver é morrer toda hora ).
A religião nos dá essa experiência deglutida. Nos dá esse nascer/morrer com seguro de vida.

Em 1968 centenas de estudantes mexicanos foram mortos em passeata. Protestavam. Eis a interpretação de Paz:
OS EVENTOS DE 2 DE OUTUBRO NA PLAZA DE TLATELCOLO, INVOCARAM, REPETIRAM, OS RITOS ASTECAS: CENTENAS DE JOVENS SACRIFICADOS NAS RUÍNAS DE UMA PIRÂMIDE. O PODER MEXICANO PUNIA SEU PRÓPRIO PASSADO REVOLUCIONÁRIO AO PUNIR ESSES JOVENS.

Paz fala sobre a paisagem da Cidade do México:
ARQUITETURA PARALÍTICA
BAIRROS ISOLADOS, JARDINS MUNICIPAIS PODRES, MONTES DE SALITRE
TERRENOS BALDIOS, ACAMPAMENTOS DE NÔMADES URBANOS
FORMIGUEIROS E CRIAÇÃO DE MINHOCAS
VIAS PÚBLICAS DE CICATRIZES, BECOS DE CARNE VIVA
FUNERÁRIAS, ATAÚDES NAS JANELAS, PROSTITUTAS-PILARES DA NOITE VÃ
ALVORECER, BAR À DERIVA
O ESPELHO ENORME DERRETE
BÊBADOS SOLITÁRIOS CONTEMPLAM A DISSOLUÇÃO DE SEU ROSTO
O SOL SE ERGUE DA CAMA DE OSSOS
O AR NÃO É AR, ESTRANGULA
ALVORADA QUE RASGA CORTINAS
CIDADE PILHA DE PALAVRAS QUEBRADAS
VENTO NAS ESQUINAS EMPOEIRADAS EMBOLA JORNAIS
NÃO EXISTE CENTRO PRAÇA DE CONGREGAÇÃO
NÃO EXISTE EIXO
ANOS SE DISPERSARAM, HORIZONTES DEBANDARAM
MARCARAM A CIDADE EM CADA PORTA EM CADA FRONTE
COM APENAS UM SÍMBOLO $

E Paz viaja: India, Paris, EUA. E em cada viagem traz uma revelação.
Escreve sobre o Budismo:

TODA PALAVRA GERA UMA PALAVRA QUE É SUA NEGAÇÃO. PORTANTO VIVEMOS NA DIALÉTICA. DESTRUIÇÃO E RENASCIMENTO. SIM E NÃO. TESE E ANTÍTESE.
COM O SILÊNCIO DE BUDA CESSAM O MOVIMENTO, A OPERAÇÃO, A DIALÉTICA, A PALAVRA. AO MESMO TEMPO NÃO É A NEGAÇÃO DA DIALÉTICA NEM DO MOVIMENTO: O SILÊNCIO DE BUDA É A RESOLUÇÃO DA LINGUAGEM.
VIEMOS DO SILÊNCIO E VAMOS AO SILÊNCIO. O QUE BUDA EM SEU SILÊNCIO REVELA NÃO É NEGAÇÃO E NEM AFIRMAÇÃO: É SUNYATA: TUDO ESTÁ VAZIO PORQUE TUDO ESTÁ CHEIO.
A PALAVRA NÃO É AFIRMAÇÃO PORQUE A ÚNICA AFIRMAÇÃO É O SILÊNCIO.
A NEGAÇÃO DO MUNDO IMPLICA O RETORNO AO MUNDO, O ASCETISMO É O RETORNO DOS SENTIDOS, A REALIDADE É A CHAVE QUERIDA E TERRÍVEL DA IRREALIDADE.
O CORPO NÃO É JANELA AO INFINITO, É O PRÓPRIO INFINITO.
NÃO SE TRATA DO CONHECIMENTO DO VÁCUO: UM CONHECIMENTO VAZIO.
O SILÊNCIO DE BUDA NÃO É CONHECIMENTO, MAS ALGO ALÉM, É SABEDORIA. UM NÃO-SABER. UM SER DESPRENDIDO, E PORTANTO, RESOLVIDO. QUIETUDE É DANÇA, E A SOLIDÃO DO ASCETA, NO CENTRO DA ESPIRAL IMÓVEL, É IDÊNTICA AO ABRAÇO DO CASAL DE AMANTES NO SANTUÁRIO DE KALI. UM SABER QUE NADA SABE E QUE CULMINA EM POÉTICA, EM ERÓTICA.
A ARTE DE BAILAR ACIMA DO ABISMO.

Releia até que as palavras percam sentido.
Tudo está vazio porque tudo está cheio. Olhe ao seu redor.....
Octávio Paz, em sua busca poética pelo vazio o encontrou. O vazio onde tudo faz sentido porque tudo se resolve. O vazio onde ao cessar a palavra, cessa a dúvida.
Como Ocidental do século xx, Paz tentou essa iluminação através da palavra.
Usou então as palavras em outro sentido, fez poesia.
Não há autor recente com tão nobre proposta.