Aqui Eliot entra em sua terceira fase. Não mais o coloquialismo, não mais o modernismo. Agora ele tenta encontrar o sagrado na vida.
Escreverei sobre este poema sem citar uma só linha de seus versos. Basta saber que Eliot sempre escreve poesia sem poetasiar. É totalmente anti-Vinicius. Nada tem de poeta-das-menininhas. E também nada faz dele um "irmãos Campos". Eliot não faz experiências.
Sem rimas, seu segredo é o ritmo. Tudo que ele escreve é musical. As imagens e as palavras vêm e vão e se repetem como se fossem notas e arranjos. Sua escrita é um tornado.
Aqui ele fala do que?
Dos ossos. Dos leopardos que comeram sua carne. Da árvore seca. E de uma Dama de azul e branco. Deserto.
Mas o texto é otimista. Pois ele não mais tem medo. Eliot entendeu.
ASH WEDNESDAY, de 1930, me faz pensar. Em escolhas.
Escolhemos o dois mais dois como eternamente quatro. E agora pagamos o pato.
Optamos pelo olho e pelo ouvido. A mão e o osso. Enterramos ( no inconsciente? ) o não visível.
Religião virou igreja. Torre de pedra com ritos e mandamentos sem nenhum significado.
E arte se tornou cada vez mais a assinatura de uma vaidade.
Mas já falei tanto disso e me dá tanta preguiça..... Pois o que me motiva é a Dama de azul e branco, a rica simbologia dessa mulher que não se pode ter e jamais será conhecida. Essa imagem de religião verdadeira e de morte gloriosa. Esse sentimento que a arte superior tenta nos fazer rememorar.
Em 1300 a arte toma o lugar do sagrado ( já que a igreja se torna PODER ).
E passa a ser, quando verdadeira, a busca pelo invisível e pelo atemporal. Um sentido para uma vida que passa a negar toda transcendencia, que só crê no provado e comum. É na arte, poesia e música, depois teatro e prosa, que se ora.
Mas agora, de 1800 em diante, também a arte lentamente apodrece. Vai perdendo o dom de engrandecer e de sacralizar. Torna-se uma questão de refazer e de erguer egos.
O dois mais dois se torna a única realidade.
A grande obra hoje é sempre da ciência. O acelerador de partículas, o ônibus espacial, o micro. Nosso engenho está todo focado nisso e sómente nisso. O hiper talento humano não mora na arte, muito menos na religião. Ele é todo matemático, o que existe é o que pode ser medido, pesado e transformado em equação.
Todo o resto é poesia.
Mas é aí que a porca torce o rabo.
Pois não há satisfação nessa lousa e nesse chip. Continuamos os mesmos caras de 1300.
Queremos glória viril. Queremos ser lembrados. Queremos uma casa em paz e um campo de provas. A Dama de azul e branco. Êxtase e transcendência. Vinho e sono.
O dois mais dois nos oferece em troca glória virtual. Esquecimento. A morte da casa e o fim da busca pela sóbria paz. A não-concentração e relativização. Uma dama de preto e de vermelho, sem segredos e sem sacrifícios. Comodismo e eficiência. Pílulas e insônia.
Ouça.
Mother of Pearl, Roxy Music.
Tudo isto está lá. É como She Comes in Color do Love de Arthur Lee. Transcendência no pop. A chance de perfeição. Nosso espírito cantando.
Ouça.
Após Mother of Pearl vem Sunset.
Não há mais chance para nós?