LUIZ FELIPE PONDÉ

O texto da Folha de 16 do oito, segunda. Mais um gol de Pondé. Ele escreveu ano passado um texto que trago comigo: Catherine. A melhor radiografia que já li sobre o que é ser romântico hoje. Depois ele voltou a me impressionar ao ousar defender os padres e a igreja católica contra a tirania do iluminismo. Agora ele escreve sobre a pobreza espiritual de quem "usa" as facilidades das igrejas light. Religiões que eu chamaria de self-sevice.
Budismo consolador, catolicismo rancoroso, protestantismo prático, exoterismos auto-ajuda. Mas pior que tudo, a pretensa superioridade de iluminados ateus. Superiores em que? Pondé tem a coragem de chamar esse povo de "espiritualmente infantil". Eles pregam a materialidade da vida negando a existência de vida espiritual. Amputam o que lhes é assustador, ou pior, inatingível. Dos vários erros de Freud um dos piores foi seu desprezo pela fé. De seus seguidores o pior erro é ignorar Jung. Conhecer e vivenciar para poder julgar.
Pondé confirma que o primeiro passo para se libertar é negar o eu. Negar o eu é base de toda religião verdadeira. Mas o que ele nota é que no supermercado religioso destes dias, tudo é preocupação com o bem-estar do eu. Um egoísmo tipo: Olhem! Eu alcancei a luz!!!!!
Isso não é religião. Conhecer um mundo subjetivo, mundo onde a língua é a do símbolo e do não-tempo é conhecer o além do eu, o fora de mim e de tudo, é ir para adiante e para dentro. Esse tipo de experiência só pode ser transmitida pela poesia ou pela música. Não há como verbalizar racionalmente, pois toda experiência religiosa é pré e pós racional. Quem a viveu sabe do que falo. O único relato que conheço sobre esse momento luminoso está no final de Anna Karenina, no momento em que Lievin resolve sua aflição.
Em mundo que nos faz todo o tempo olhar para o umbigo/espelho, não pode haver experiência religosa real. O primeiro passo é se deixar e se esquecer de sí. Comungar com a vida. E A VIDA não é seu mundinho.
Toda pessoa inteligente ( desde a renascença ) precisa ser atéia se quiser ser levada a sério. Bem. Eliot, Yeats, Tolstoi e Kierkegaard não eram. Foram desconsiderados por isso. Infelizmente continuo ateu. Mas sei o valor que a religião possui. Ela não é ópio e jamais sintoma ( mas pode se tornar as duas coisas. Aliás, marxismo e psicanálise também podem ser ópio e sintoma ). O valor da religião está profundamente unido ao próprio valor da vida. Sem ela não seríamos humanos. Condenar a fé pelos crimes cometidos em seu nome é como condenar a física pela bomba H e a química pelo antraz.
Tudo neste mundo se torna cada vez menos religioso. Não é bom se isolar, não é saudável deixar de comprar e querer, não se deve viver em meditação ou busca. Se oferecem pseudo-religiões então. Um tipo de fé comunitária e feliz, sem auto-sacrifício, em que voce não precisa se submeter a nada. Religiões feel-good. Igrejas que matam o auto conhecimento.
Elas fazem voce funcionar. Apenas isso.
Ando pensando muito no amor. Convenço-me de que a coisa é bem simples. De que todo iluminista, consumista, neurótico, tem na verdade um caso de amor consigo mesmo. Ele é completamente incapaz de amar algo diferente de sí-mesmo. Tudo lhe remete ao espelho. A verdadeira religião, como a verdadeira arte e o amor verdadeiro, é um ato de amor ao diferente, de doação, de se dar SEM MEDO, de entrega. Transcender seu tempo, seu lugar e seu desejo. Aceitar negando.
Espero um dia chegar nesse lugar.