...E TODOS SOMOS UNS FAUSTOS

Li, embora não mais lembre onde, que existem 3 tipos de homens: Quixotes, Hamlets e Faustos.
Quixote é aquele que crê no sonho. Preza por seu nome e por sua origem e vê a mulher como bem supremo. Esse tipo de homem, que surge por volta de 1600, já sabe que muito daquilo que o guia é invenção, mas ele ainda aposta em suas fantasias. É um tipo de amante da vida, de deslumbrado pelo sol. Ele despenca de abismos, erra e se quase morre, mas sempre dá a volta por cima. Se move, apaixona-se, auto-ilude-se, aventura-se. Nada nele há de puramente racional, mas é com ele que nasce Sancho, sua sombra, o dono do bom-senso.
Hamlet é um tipo de homem que vem da mesma época. Mas nada tem de Quixote. É homem que tudo questiona, que de tudo duvida. Para ele a crença é impossível. Seus olhos vêem que tudo é um palco onde todos são marionetes. Hamlet duvida até mesmo de suas dúvidas. A mulher para ele é um amor fadado ao fim. Sua Ofélia é musa impossível. Se o Quixote vê na vida milhões de possibilidades, Hamlet vê a vida como prisão.
E por volta de 1800 nasce o homem Fausto. Esse é o puro desejo. Fausto quer tudo. Ele quer poder, ele quer sexo, liberdade, dinheiro. E tudo tem. Fausto cai na armadilha de Mefistófeles : ao ter tudo ele percebe que nada tem valor. Fausto é o homem que vende sua alma. Seu desejo, após satisfeitos todos os apetites da carne, o leva a tudo querer saber. Ele precisa saber o que é a vida, a morte, o amor e o homem. Mas ao saber tudo, tudo se perde. Fausto é o anti-Quixote. O espanhol sabe que poderia saber, mas prefere ignorar e opta por viver sua fantasia, o alemão não pode estancar sua sede. E nesse frenesí de desejo e de orgia ele perde Margarida. A imagem de pureza passa a lhe ser odiosa. A imagem de amor puro lhe é culposa. Torna-se oco.
Fausto não pode mais sonhar e se aventurar como Quixote. E as indagações de Hamlet já não lhe dizem nada. Quixote caminha adiante, Hamlet anda em círculos. Fausto está sentado em trono de aço, tendo a seu redor o mundo que corre. Ele não cria sonhos ou delirios, ele não cria indagações ou medos. Cria desejos e mais desejos.
Somos hoje seres do mundo de Fausto.