AMOR PELAS E PARA AS COISAS

Juro que é verdade. Juro que houve um tempo em que voce comprava um sofá ou uma televisão com a IDÉIA de que aquele objeto iria te acompanhar para SEMPRE.
O primeiro aparelho de som de minha vida foi uma vitrola ABC- A voz de Ouro. Por ser toda de madeira nós sempre passávamos lustra móveis Shell. Ela ficava brilhando. Tratava-se de um retângulo onde havia o rádio AM/OC, e o toca-discos, mono. Um alto falante. Para tocar os discos voce abria uma gaveta. O braço da agulha era pesado, verde, de ferro. Nada nela era de plástico. Madeira, ferro e vidro. Foi nesse MÓVEL que ouvi pela primeira vez Beatles, o It´s only rocknroll dos Stones e Diamond Dogs de Bowie. Ao lado havia um espaço para se guardar os discos. Lá ficavam uns 78 rotações do meu pai. Eu e meu irmão os quebramos todos no quintal.
Eu AMAVA o cheiro da madeira que aquela ABC tinha. Adorava ficar olhando a luz de suas válvulas e seu motor pesado. Minha mãe colocava um paninho sobre ela e uns enfeites de vidro colorido. Era um trambolho tosco. Mas era SIMPÁTICO. Esses objetos possuiam caráter, tinham história. Não por acaso, são procurados por saudosos quarentões em feiras de trecos. Ninguém vai procurar seu celular ou seu pc. Nem em 2050.
O primeiro carro de meu pai foi um Opala vermelho, duas portas. Foi comprado com a intenção de se tornar herança. Infelizmente não se tornou. Ao comprar um carro ( assim como uma geladeira ou um fogão ) a primeira pergunta era: ele DURA ?
Mas vou mais longe. Penso nos Dodges cor de laranja com faixa preta ou nos fuscas amarelos. Mais que sinal de breguice, o que havia nesses objetos era o desejo de se tornar diferente, de obter personalidade. O mercado tentava criar um vínculo AFETIVO entre voce e o objeto.
Hoje todos os carros são anônimos. Todos se parecem e todos são da mesmíssima cor. O mercado não quer um vínculo afetivo. Ele deseja a descartabilidade. A pergunta não é : Isso dura?
A pergunta é : É novo?
Levamos isso pra vida. Novos amores, novos amigos, novo emprego, nova casa, nova familia. Seria absurdo perguntar : isso é pra sempre? Não é para se criar um VÍNCULO. Nada é construído com a idéia de permanencia. Aliás, nada pode ser idéia.
A TV também era ABC. Eu gostava de me levantar do sofá e mexer nos grandes e barulhentos botões. Era eu quem passava lustra-móveis na madeira amarela e tirava a gordura da tela de vidro verde. Sobre ela havia um vaso com flores. Ficou no meu quarto depois e acabou sendo levada por uma empregada. Nessa TV nós assistíamos coisas que repassam na TV até hoje. Sabíamos que ela ia durar. Sabíamos que o mundo sempre falaria de Star Trek ou de Coelho Pernalonga. Principalmente : sabíamos que estaríamos sempre juntos. Mesmo que não em carne e osso. E esses objetos seriam nosso cenário. Forever. Como os Beatles e os Stones.
Eu adoro as coisas. Eu não brigo com este mundo de celulares e telas planas. Adoro dvds. O que me deixa "absurdado" é o não-afeto, a completa ausência de vínculo entre eu e meu PC, eu e meu carro. A relação deixou de ser EU GOSTO DE MEU CARRO. Passou a ser EU QUERO ESTE CARRO. Desejo sem afeto, sem amor e sem carinho. Será que as crianças ainda amam seus brinquedos????