Eu mergulho nas páginas de Marcel Proust procurando nelas o resgate de meu mundo próprio. Nada é mais saudável hoje que ler Proust, ele é o antídoto a tudo que nos aflige. Nele somos convidados a diminuir a velocidade, a resgatar o dom da observação e principalmente a cultivar o brilho espiritual. Ele é guia de bem viver.
Só o que está fora de moda pode nos resgatar. Nosso mundo é um convite a não-individualização. Sem perceber, voce se molda a quatro ou cinco protótipos ( inclusive o tipo anti-tudo ) e pensa estar sendo voce-mesmo. Não. Com o mergulho sem escafandro em Marcel, sua alma relembra a amplidão natural que toda vida pode ter. Amplidão que nos é roubada em labirintos de ruas quebradas e edifícios entalados em pedra e aço. No tempo que tem só um sentido, adiante sempre, rumo às novidades. Mundo atual que nos obriga a jogar tudo fora, sempre.
O modo como Proust escreve modifica nossa forma de pensar. Há quem o chame de "o primeiro neurolinguista" do mundo. Sua prosa é como um descascar de cebola. De casca em casca, de frase em frase, ele vai nos demonstrando que tudo é relevante, que cada fato e cada imagem é universo infinito de sentidos e de história. É um anti-fugacidade, um anti-superficialidade, e é um oceano de prazer.
Porque prazer ? Marcel Proust não é autor dificil ?
Sim, dificil por exigir ateñção do leitor. Mas um prazer celestial, por nos dar em troca a imensa sensação de se estar vivo. O autor francês nos exibe em linhas sem pudor, a felicidade de se fazer parte da linha do tempo. Aliás, linha que se enrola como novelo até se fazer bola. Um círculo em que todo prazer vem do tempo que se esvai. Uma perigosa feitiçaria, pois ele nega tudo o que este século afirma.
Para Proust o sentido da vida está no que já foi vivido. Nosso prazer não reside na esperança de um novo amor, reside na lembrança de amor perdido. Cada beijo é presente que se torna imediato passado, e esse passado é tudo o que temos. Negar nossa história é viver em vazio.
NOTE BEM : IGNORAR E NÃO ATENTAR, PROFUNDAMENTE, AO QUE SE VIVEU, É ESVAZIAR A PRÓPRIA VIDA DE SEU VALOR. Pois só tem valor aquilo que pode e merece ser recordado.
Nada é mais contrário a nosso mundo caminhante que essa idéia. Proust ajuda-nos a valorizar a vida, valorizando tudo o que foi feito e pensado.
Proust amava música. Nenhum texto é mais musical que o seu. O modo como ele escreve é harmonia de sensações e melodia de palavras. A escrita alça vôo, plana e desaparece dentro de nossa consciência, toca nossos nervos e nos acalma. Tudo nele expressa um grande " Assim é ".
Mas o mais importante em Proust é que ao ler sua prosa opera-se em nós uma afirmação de fé. Nasce lentamente uma espécie de orgulho proustiano, um assumir-se como história individual, um rememorar, enamorar-se de sí-mesmo. A melodia nos envolve e nos indica as galerias abissais de nosso espírito, galerias em que penetramos sem qualquer medo, sabendo estar sendo guiados pela música da escrita. Nos individualizamos.
Proust pode salvar sua vida ( como escreveu Alain de Botton ) pois ele lhe dá valor, dignifica sua trilha, dá sentido ao seu passado. Nos faz acariciar alma e cérebro, toca nossa mão e nos embala rumo à vida real.
Se voce conhece algum autor mais "útil" me diga. O que Marcel Proust oferece é a restituição de almas ignoradas e ignorantes. O novelo do tempo e do sentido, a fé em sí.
Stendhal, Tolstoi, Henry James e Marcel Proust
Não existem autores que escrevam melhor. È o quarteto que faz prosa musical, quarteto de melodia e harmonia, estetas.
Stendhal é puro prazer e amor. Tolstoi é filosofia de vida e de além. James pinta rostos e exibe a realidade de sentimentos. E Proust, memória que é chave para valorização de vida.
Ler esse quarteto é uma felicidade.