O FIM DE UM AMOR INFINITO ( AO SOM DE GRAM PARSONS )

O mais duro foi olhar o rosto dela pela primeira vez. Olhar pela primeira vez sabendo não mais ser meu rosto. Porque seu rosto era meu continente. Cada sinal e cada curva era uma perfeição imperfeita onde eu reconhecia meu mundo. O rosto dela era meu lar, meu começo e minha morte futura. Agora, pela primeira vez, eu devo olhar esse mundo como estrangeiro.
Como poder viver sem casa ?
Como não mais ouvir sua voz ? Porque a voz dela era a música dos meus dias. Som que parecia ser minha trilha desde sempre. Voz que dizia tudo que importava e que bania o resto. Poderei viver sem essa voz ?
Depois ter de aprender a ver o mundo sem ela. E o pior : ter de encarar o mais terrível dos fatos : nosso amor não é/era perfeito. Foi maculado por um fim e amor que tem fim não é amor perfeito. Cair.
E nos dias seguintes caio do céu onde eu não tinha consciência de estar. Sinto solidão pela primeira vez em anos. E penso : Para que estar aqui se meu continente se foi ?
Aprendo então a sobreviver no mar. No frio úmido de fins de tarde cruéis. Para que existe o domingo ? Porque não pular domingos ? As vagas me afundam, me erguem e eu não ligo mais. Que o mar faça de mim o que lhe aprouver. Eu, deixado, me deixo.
Dias indiferentes e noites de triunfo sem ganho.
Um dia sinto que o frio úmido pode ser belo. E que o mar é sempre. Nasce a poesia e simbolizo a vida. Deixo a coisa ir e vir e tomar e passar. Me vejo de longe. E ainda a ouço todo
dia.
Mas ela não cresce mais em mim. Tornou-se mais um símbolo. Outra onda em oceano vago.
Dizem que feridas cicatrizam. Nunca cicatrizam. Dizem que o tempo cura. Não há cura. Tudo o que voce vive viverá em voce para sempre. Aquilo que foi seu mundo será mundo ausente e morto, mas permanecerá luto. Sombra sobre restos imorredouros.
O rosto dela é hoje irreconhecido. O meu continente afundou em maremoto de lágrima.
Mas a ferida fica como parte de meu mar e de meu símbolo.
Quem falou que viver é fácil ?