Proust é dificil ? Talvez seja; se voce lê-lo com reverência. Leia Proust como se lê um amigo. Corra os olhos pelas suas longas frases. Leia-o como quem passeia por veredas floridas. Flaneie.
Proust é chato ? Jamais ! Ele é radiante. Traz em seu texto a delícia da vida bem vivida. Vai fundo no que sente, tem coragem, tem alcance e acima de tudo, é belíssimo.
Mas Proust bate de frente com nosso tempo. E assim, torna-se valioso remédio para stress e para ansiedade. Nos traz mundo calmo, delicado, sem atrito. Descortina um jardim.
Mas nada tem de beleza escapista. Não é nunca um poetinha. Neuroses e tristezas estão sempre alí, em toda frase. Mas ele aprecia esses sentimentos, os cultiva, analisa-os e distende-os. É o maior dos psicólogos.
Maravilhoso o modo como ele desenvolve seu romance. O narrador recebe uma visita. Essa visita recorda outra visita. Que recorda um sentimento. Desse sentimento vem outro sentimento e outra lembrança. Daí nasce uma conclusão e dessa conclusão vem mais outra lembrança.
Nos perdemos nesses caminhos de sol e de chuva. Mergulhamos em suas imagens e ao lê-lo trazemos à tona nossas próprias imagens. Ler Proust é dialogar com o livro. Lemos e pensamos ao mesmo tempo, vemos suas imagens e desenterramos as nossas.
È fantástico o modo como ele descreve a ação física. Após dezenas de páginas onde o personagem espera pela visita de sua amada, ela chega e parte em duas linhas. Toda a ação física do livro é descrita assim, uma ou duas linhas.
Não é essa a nossa vida ? O amor vive na cabeça, cada ação produzindo milhares de sensações, recordações, medos, planos, ilusões e expectativas. Para Proust, lembrar de um amor é amar. Enquanto voce está com a amada, o amor é obstruído por palavras, atos, jogos, planos, ruídos. Depois, a sós com seu espírito, voce vive o amor completo, recordando tudo o que foi sentido.
Se é assim nossa vida não importa. O que tem importância é que Proust nos dá uma opção de entendimento dos afetos. Talvez seja assim. E sua escrita nos convence disso ao nos lembrar de nossas paixões. Belas e eternas não enquanto ação, mas maravilhosas em nossa mente.
O personagem é do alto-mundo e dá uma certa tristeza pensar no quanto essa alta-roda dirigente decaiu. O mundo do livro é de um refinamento completo. Marcel Proust dá aulas de etiqueta. Etiqueta da alma. Mente-se com elegância. Despe-se com erotismo. Ganha-se dinheiro com discrição. Afetos e privacidades tratadas como jóias de família. Tesouros para muito poucos.
Em mundo onde esfrega-se tudo no rosto de todos, onde nada é tesouro secreto e nada tem o valor do segredo, ler Proust é acariciar o coração. Uma alegria que embala o sangue.
Poucos livros são lidos com a sensação de se estar crescendo. São romances que nos nobilitam, nos engrandecem, nos ensinam dizendo aquilo que já sabíamos mas não formulávamos. Poucos autores são como guias e menos ainda são mundos completos. Abrir Proust é abrir carta de amigo, ler diário de avô sábio, conhecer nobre imortal.
Em mundo onde quem grita leva e quem chora vence, Proust nos dá a certeza de que gritos e choros passam, mas veredas de recordações brilhantes ficam. Ignorar isso é desperdiçar a vida.