Em 1976 fui pela primeira vez, sozinho, ao cinema . Eu era uma criança em 1976 e fui ao cine Astor, o imenso Astor, com amassado trocado num bolso, assistir NA IDADE DA INOCÊNCIA.
Cheio de medo, desci do Ônibus e fiz hora, cheguei cedo demais. O Jornal da Tarde elogiara muito o filme e era Truffaut naquele tempo meu diretor favorito. Graças a filmes como A Noite Americana e A Sereia do Mississipi, que eu vira na TV. Cinema era muito barato, a mais barata das diversões. Um garoto de onze anos podia ir com cinema com o dinheiro de duas cocas. Entrei na sala vazia ( era quarta, quatorze horas) e o assisti. Gostei, mas não muito, e nesses anos todos nunca mais o revi.
Agora, décadas depois......É o Melhor filme de François Truffaut e um dos melhores filmes dos anos 70. Talvez seja o mais belo filme já feito sobre o comeco do infância. E mostra as diferenças entre Itália, Inglaterra, França e EUA.
Foi a França, através de Rousseau, o primeiro país a dar a devida atenção à Criança. O filme de Truffaut faz digno tributo a essa tradição.
Filmes americanos sobre a infancia tendem a transformar tudo em gracinhas de pequenos adultos. Ingleses fazem da criança vítima do sistema e italianos vêem crianças como poetas ingênuos. Franceses as respeitam como aprendizes da vida. Na visão do cinema francês, Rousseauniano, toda criança é um ser sincero. François Truffaut ama-as. Ele é uma delas.
O roteiro mostra momentos de uma sala de aula numa pequena cidade do interior. Aulas, intervalos, professores, namoros, os pais, as ruas. Nada grita no filme: Truffaut, que é sempre tão suave, tem aqui toque de veludo, o filme desliza sem drama pesado, sem forçar nada. Possui uma alegria maravilhosa.
Duas cenas são de genialidade absoluta: a sacada do Bebê e a história do ator-assobiador (somente esta cena já faria do filme coisa genial). Você gargalha e sente gratidão pela engenhosidade de François. Não há um só momento entediante e cada pequena cena (e é ele todo feito de pequenas cenas, Não há protagonista) é plena de vida, de apelo e verdade. Truffaut jamais foge das implicações da meninice, ele arquiteta o filme como sinfonia colorida.
Um professor, que é a voz de François, François que foi delinquente infantil, faz um discurso soberbo em sua verdade simples. Ele defende as crianças. O filme é advogado de todas elas.
Fazia tempo que eu não via um grande filme de Truffaut. Eu havia esquecido o porquê dele ser tão Famoso. Este filme, obra-prima de pureza, mostra o poeta, o feiticeiro que ele foi. Nada aqui é complicado, nada gigantesco, nada faz chorar. Você é seduzido por todas aquelas crianças, pelo bem-viver, pela câmera alada de François.
Pois aquela vila é um paraíso! E mesmo em suas dores é uma vida que vale a pena.
E nada mostra melhor essa genialidade do diretor que a cena da menina que não vai almoçar com os pais. Esperamos final em rebeldia ou lágrima. Nada disso. Truffaut resolve essa cena com humor. Maravilhoso.
Quando voltei para casa, em 1976, eu queria ser François Truffaut. Hoje, milhões de filmes depois, prefiro ser Howard Hawks, Mas se eu pudesse ter feito um único filme, este seria meu filme.
Naquelas carteiras, no barraco do aluno pobre, na praça e nos edifícios, na lousa e no rosto das crianças ( e que rostos belos ) em tudo Truffaut viu alegria, viu sinceridade, viu a vida.
Vacina contra mal-humor, este filme permanece como ode ao cinema, às crianças, a vida e ao amor por viver.
Truffaut foi único.