A DITADURA DA CIÊNCIA

Na ditadura o que existe é só o poder central, tudo o que foge dessa corrente principal é ignorado, quando não perseguido.
Vivemos, antes, a ditadura da religião. Fora de Deus ( seja qual fosse esse deus ) nada era verdadeiro. Como Deus é espírito, a carne era ignorada. Nesse mundo onde o que não se vê é o que faz diferença, arte e filosofia florescem. São religião de quem tem dúvida.
Desde a renascença vivemos a transição dessa ditadura. Nos livramos de uma ditadura na esperança de poder viver sem opressão alguma, livres. No século XVIII essa esperança atingiu seu apogeu. Derrubar reis era derrubar a ditadura divina. O corpo deixava de ser oprimido.
Mas agora vivemos a ditadura oposta, a ditadura da ciência. Nada existe que não possa ser provado, tudo é um processo natural. Sem perceber nos tornamos ratos de laboratório.
O corpo é rei. Eu sou minha pele, meus dentes, aquilo que exibo. Só posso existir na vida prática, ativa, real. Subjetivismo ou interioridade são doenças. Amo porque sinto tesão, e se amo devo transar, pois amor é sexo, e sexo é real. Se estou triste é uma disfunção quimica e se não me integro à massa tenho um problema psico-social. A história é uma ciência, a filosofia é uma ciência e toda religião tem de parecer ciência.
Escrevo numa máquina, assisto uma tela, falo num aparelho, corro num trambolho mecânico, visto fibras sintéticas, me alimento com sabores quase verdadeiros, uso pílula para ficar legal, tomo vitamina pra não ficar doente, analiso meus dentes e minha respiração, injeto líquidos para ficar bonitão, troco o que puder de mim. Vivo para meu corpo e para a realidade científica.
No mundo da ciência só vale o que pode ser provado, o que apresenta resultado e o que se mostra como a última descoberta. É mundo escravo do tempo, pois ao contrário da religião, ciência é temporal. Nos colocando nesse mundo vivemos no tempo reto onde a + b será sempre c, sem variação.
O que existe será função.
Nosso corpo sofria na ditadura religiosa. Ele era ignorado e gritava através de sintomas. Não podia existir. Nosso espírito ( chamo de espírito tudo o que nos é interior ) sufoca na ditadura da ciência. Ele é obrigado a se submeter às vontades da carne, fecha-se em sí-mesmo, produz tristeza e vazio. Pois no mundo do espírito não pode haver tempo e não existe função. Seu tempo não se rege por ação e reação. Ignora tempo e espaço.
Mas em nossa ditadura tudo é tempo e espaço. Tudo é caminho plano para outro caminho plano. Equação demonstrável. Impossível para nós imaginar outro modo de pensar ou viver que não seja o da ciência.
Neste admirável mundo novo, a arte se torna parte do processo. Ela existirá apenas enquanto tempo e lugar, deverá ter uma função real ( dinheiro, poder ou educação ) e ser etapa de descoberta. A arte não pode mais falar ao espírito, ela existe para tocar o corpo, dialogar com o mundo real. Arte pequena.
Talvez em 4000 anos termine esta ditadura. O que virá depois... quem sabe ? Como nascemos e vivemos dentro desta realidade, nos é impossível imaginar outra forma de viver, assim como por mais que tentemos, não conseguimos saber como era pertencer a mundo onde o corpo não existia.
Quando duas partículas colidem em túnel europeu o que interessa ao mundo real é " o que virá a seguir ? "
A questão espiritual é : " De onde surgiu a primeira partícula ? "