AFINAL QUEM FAZ OS FILMES - PETER BOGDANOVICH

São 900 páginas de muito interesse. Peter Bogdanovich, diretor de A ULTIMA SESSÃO DE CINEMA e de WHAT'S UP DOC ? passou anos entrevistando importantes cineastas que fizeram a história do cinema americano. Neste volume da Companhia das Letras, ele nos apresenta algumas de suas entrevistas ( Já que as conversas com Ford e Welles seriam publicadas em volumes próprios ).
A longa introdução escrita por Peter, que começa com a lembrança de conversa com Warren Beatty, já é por sí uma maravilha. Ele, amorosamente, relembra a Hollywood que conheceu ( uma Hollywood já em seu fim ), o privilégio de ainda ter podido conhecer Hitchcock, Billy Wilder e Jean Renoir.
Allan Dwan é o primeiro a ser entrevistado. As entrevistas são organizadas por ordem de idade e Dwan é o mais velho. Um mestre de grandes produções do cinema mudo que se tornou um cineasta classe b no falado. Com Dwan conhecemos o nascimento do cinema, a época em que verdadeiros aventureiros dominavam a arte e o quanto de improviso havia em tudo.
Uma curta entrevista com Raoul Walsh vem depois. Walsh que antes de ser diretor fez de tudo um pouco, um cara que foi marinheiro, que conheceu cowboys de verdade, que foi ator de circo. E que como diretor sempre foi grande, desde aventuras do cinema mudo, passando por filmes de pirata, dúzias de westerns, filmes de gangster e comédias. Filmou até os anos 60 !
Fritz Lang vem a seguir. O muito vaidoso Lang. Conhecemos o cinema alemão então, indústria que rivalizava com a americana ( e tomamos consciência de um fato : com o cinema mudo todo filme era internacional. Todos falavam pela mesma língua, o gesto ). Lang fala do cinema nazista, da invenção da ficção científica, de seus clássicos e de sua fuga para os EUA.
Josef Von Sternberg dá uma curta entrevista amarga. O descobridor de Dietrich e gênio do cinema barroco, fala pouco e fala mal. Despreza sua própria carreira.
Howard Hawks ganha 140 páginas de diálogo. Tomamos consciência de que nenhum diretor clássico se levava a sério. Todos fizeram filmes como coisa provisória, enquanto não surgia nada melhor. Todos mantiveram esse dom de conversar sobre seus clássicos de forma jovial, sem qualquer afetação, com humor. Hawks foi piloto de avião, de carros de corrida e caiu em Hollywood por brincadeira. Foi ficando... foram 40 anos de carreira e cerca de 50 filmes. Um gênio na comédia e na aventura, ele fala de atores, diretores e de escritores ( foi amigo de Faulkner e de Heminguay ) sem jamais se vangloriar. É a mais deliciosa entrevista.
Leo McCarey, diretor de imenso sucesso, é o seguinte. O cara trabalhou com O Gordo e o Magro, com Harold Lloyd e os Irmãos Marx !!!! Mae West e WC Fields !!!! E vários Cary Grant. Leo é entrevistado em cama de hospital, morreria pouco tempo após a entrevista. Um homem elegante, de humor cristalino.
O muito bem sucedido George Cukor dá belo depoimento. Um esteta que dirigia atrizes como ninguém. Diretor favorito de Kate Hepburn, lançador de várias estrelas, o homem de MY FAIR LADY.
Vem então Alfred Hitchcock, e tudo o que tem Hitch no meio é importante. Ele não é sovina : ensina a dirigir durante a conversa com Peter. Conta como se deve construir o suspense, como cortar, como usar o humor. Hitchcock fala do cinema com ar de quem sabe tudo, mas nunca como artista ou gurú. O ponto que une todos esses pioneiros é sua falta de afetação. Eles se viam como competentes no que faziam, mas consideravam o cinema uma arte menor, uma diversão. Foi a nouvelle-vague que os convenceu do contrário.
Edgar G. Ulmer fala sobre o policial b e é fascinante seu início no mundo do filme classe z. Seu convívio na Alemanha com todos aqueles que fariam o cinema americano ( Murnau, Zinneman, Wilder, Siodmak, Dieterle, Lang )
Chegamos a Otto Preminger, que dirigiu alguns dos melhores filmes noir e nos anos 50 filmes corajosos, de crítica social. Um grande diretor, famoso, tirânico, de sucesso.
Joseph H. Lewis é por outro lado o perdedor. Sem sorte nenhuma, este diretor de talento, acabou a vida na TV. Fez westerns maravilhosos e um super-clássico policial.
Temos agora o grande grande grande Chuck Jones, o criador do Papa-Léguas, de Pepe Le Pew e do Frajola. Ele fala do ambiente da Warner, a loucura do pessoal da animação, do prazer de se criar desenhos que eles sabiam serem imortais. Chuck, um ídolo pessoal meu.
Vem Don Siegel, o criador do Dirty Harry, o macho do filme b.
Frank Tashlin, que Godard considerava gênio, criador das melhores comédias de Jerry Lewis, o primeiro cara a satirizar astros de rock, e que começou trabalhando na equipe de Pica-Pau e depois do Pernalonga.
Robert Aldrich fala de seus filmes de guerra, da violência, do futuro do cinema, de ação. Já é um diretor que vê o cinema como negócio, que mete o peito no lixo, e que consegue às vezes ( apesar dos produtores ) grandes filmes.
Com Sidney Lumet temos a última entrevista. Ele representa os diretores que vieram imediatamente antes da geração de Bogdanovich. Diretores que começaram em TV, que viam filmes como arte, que seguiam os diretores europeus, que estudaram para ser cineastas. Com a geração de Lumet ( da qual fazem parte Altman, Nichols, Penn, Frankenheimer e Pollack ) termina o aventureiro, o cara que se tornou diretor por acaso. Nasce o cinéfilo, o cara que só entende de filmes, só fala de filmes e cuja experiência de vida se deu numa tela em sala escura.
O livro é uma saga. Começamos no século XIX e terminamos na era da TV. Diretores piratas, diretores gigolôs, diretores soldados de guerra, diretores ciganos.... até chegar nos ratos de cinemateca.
Para quem adora filmes, não existe livro melhor.