THE DEAD - JAMES JOYCE

O que fala mais alto sobre aquilo que voce é, é aquilo que te acompanha pela vida.
Quadros de Gauguin, o Transformer de Lou Reed, O Morro dos Ventos Uivantes, filmes de John Ford, William Butler Yeats e Shakespeare. Tem certas coisas que me dão um norte. Acrescente a isso este conto, o último do volume Dublinenses, do gênio meio cego da Irlanda ( Irlanda e Paris são outras obsessões ).
O conto, curto, trata de uma reunião de natal em 1904. Três senhoras recebem parentes e amigos para um jantar. Travam-se conversas, dança-se, ouve-se música e ao final a esposa daquele que talvez seja o personagem central ( não há protagonista ) faz uma confissão, confissão essa que modificará o sentido da vida desse marido e do próprio conto.
Ela fala de um amor vivido aos 17 anos. Um amor terminado em morte.
O texto é só isso. Em primeira leitura ele nos apaixona por ser muito bem escrito. Fácil de ler, é quase um poema sobre momento pleno de vida. Tudo é VIVO naquela casa. Acompanhamos as danças, as conversas, no fundo tão banais, com absoluto encanto. Mas a coisa se torna perigosa ao final. Um convidado, famoso cantor, canta uma melodia folclórica antes de se ir. É essa canção que trará de volta a este mundo a imagem do moço morto, do namorado perdido. De volta ao hotel, após a "confissão" da esposa, temos um dos mais lindos monólogos da história ( vasto como Shakespeare e com a mesma dimensão cósmica ). O marido percebe, e nós com ele, que perante a MORTE, diante de um amor falecido, a vida nada significa, e ele, seu amor, é um vazio para a esposa.
Um homem que escreve tal conto é um gênio. Me sinto pouco à vontade para chamar um autor de gênio, mas Joyce é. E muito poucos foram.
Percebemos ao final que a casa das três senhoras é nossa vida. Cheia de conversas, de movimento, de luta por atenção. Joyce adorava música, queria ter vivido como músico, e ele faz da música o elo de ligação com o eterno, com outro mundo. Na casa eles comem, riem, se exibem e bebem. Mas existe a neve lá fora e a presença desse jovem amante que morreu por amor. A casa é cercada por esse frio, e por esse espírito que permanece afetando a vida, para sempre.
Joyce consegue, com simplicidade e facilidade de gênio, nos fazer entender a beleza da morte perante a vida, e mais perigoso, que apenas morrer por uma causa dá sentido à vida, no caso, morrer por amor. Que sómente um amor morto em seu auge permanece como sentimento vivo. Estranho e belo : morrer para permanecer vivo. É um pensamento profundamente cristão.
Como é possível que um homem em apenas vinte páginas vá tão longe ? Consiga provar que aquela reunião ( vida ) é um ínfimo nada perante o mundo de fora ( morte ) e que um casamento de vinte anos nada representa perante um amor de sacrifício ?
Apenas certos contos de Tolstoi e Tchekov chegam aos pés deste pequeno monumento ao ato de escrever. Joyce foi um santo.