A SEXTA SINFONIA - BEETHOVEN

Em tempo de flacidez, em época de artistazinhos bonzinhos, é primordial ouvir e penetrar no titânico universo de Beethoven.
O artista até então, mesmo se possuindo egos colossais como Michelangelo ou Rembrandt, era ou um devedor de favores ou um exótico divertido. Um serviçal, seja pelo nobre ou seja por Deus. E noto que o rock e o cinema de hoje são lacaios do gosto comum. Bom....continuando....
Em tempo napoleônico, Beethoven irrompe berrando aos quatro cantos : SOU TÃO GRANDE QUANTO NAPOLEÃO! FAÇO O QUE QUERO E DO MODO COMO DESEJAR! Ele coloca o desejo no centro do mundo, sua missão tem um só objetivo, o de desenvolver seu espírito.
Porque na Alemanha ? Goethe faz mais ou menos a mesma coisa. Penso que na Alemanha se uniu um tipo de admiração/ódio por Napoleão, uma mistura de racionalismo e misticismo e um surto de desenvolvimento econômico. Beethoven cria sózinho, e isso é muito revolucionário, o público pagante. O artista não mais se rebaixa, se alguém quiser vê-lo, pagará por isso.
Ele era intragável. Um gênio vaidoso, arrogante, vulcânico. Como todo talento genuíno, sua alma o absorvia ( e absolvia ). Um planeta sem Beethoven não vale a pena. Ele fez deste mundo um lugar mais suportável.
Chovia muito quando ouvi a sexta pela primeira vez. Me molhara ( na verdade quase me afogara ) na volta da escola ( Mackenzie ). Havia recém brigado com TODOS os meus amigos. Vivia um mundo beethoviano. Na amarelada sala de casa, coloquei o disco e me deixei ir.
Logo percebi que ao contrário dos clássicos ( Mozart, Haydn, Haendel ), Beethoven não convida-nos a escutar. Ele não seduz, ele se intromete e se afirma. Tudo em sua música é violência. Não há sofrimento em Ludwig, há tragédia. A alegria é desregramento e ele jamais termina com ponto, é sempre uma exclamação. Mas o principal, ele harmoniza a violência, harmoniza o desespero e traduz beleza. Nos dá a chance de vivenciar o sublime em estado bruto. Beethoven é como um mapa que nos leva ao centro de nossa própria sublimidade. Esse monstro de narcisismo se revela um deus de generosidade.
A sinfonia tem lagos, riachos, raios de ira, maremotos e gotas de orvalho. Ele se faz Júpiter. Mergulhar nessa música é saber o quanto de voodoo toda música tem. Você sai do outro lado como se ungido por mel e lava. Outro. Da religião dos renascidos em Beethoven.
Com o tempo o compositor de Bonn, o irascível gênio alemão, se tornou um tipo de continente terráqueo. Ele está lá. Estará enquanto o planeta existir. Sólido, rígido, fértil. Sim, ele é o falo da música ocidental. É o que existe de mais potente em música.
O século XXI precisa de Beethoven. Para recordar o tamanho que podemos atingir. O quanto temos de divino e de satânico. Ele é o homem central de nossa cultura. Ter em sua história alguém como Beethoven dá à Alemanha a inveja do universo. Para o bem e para o mal.