S & M - EU AMO ESSES CARAS !

Em 1973 eu tinha 9 anos. Faria 10 em maio. Era domingo e a TV estava no Fantástico. Em meio as matérias, chatíssimas, eram inseridos flashs de "alguma coisa" musical. Eram três seres muito coloridos e muito ridículos. Dois homens pintados e uma mulher ( seria mulher aquilo ? Meu pai tinha certeza que era uma mulher. " Não vês como é uma mulher ? E essa voz ? Já minha mãe falava : Mas não tem seios ! E aquilo não são pelos no peito ? Mas mulher ! Isso não pode ser um homem !!!!! ). Eu achei que fosse um marciano. Meu irmão, 7 anos, apenas ria, e já aprendia a música.
Continuaram os flashs por todo o programa, sem nada os anunciando, sem letreiro, nada. Só no final do programa, Sergio Chapelin falou : " A nova sensação : SECOS E MOLHADOS. "
Pegue os MAMONAS e adicione Blitz mais RPM. Essa mistura chegará perto do que foi o sucesso dos SM. Mas com uma diferença fundamental : adicione à essa fama uma dose de Cazuza e Jorge Ben. Porque eles foram POP, mas foram libertários, foram rock, mas foram tropicalmente rítmicos, foram uma febre deliciosa que durou apenas um ano. Um ano...
O fenômeno foi absoluto. Num tempo sem internet ou clip, eles pegaram todo mundo. O fã de Bowie, o fâ de Roberto Carlos; o maluco que adorava Raul Seixas e o romântico-brega de Benito di Paula. O Brasil amava os caras. Minha mãe, aos 31, eu e meu brother. Meu pai não. Ney Matogrosso era demais para seu mundo.
O fato da ditadura não ter reprimido os SM atesta a esquisitice que este país sempre foi. Porque Ney era tão transgressor quanto Bowie e as letras eram explícitas em sua ansia libertária. Para João Ricardo, português líder da banda e rock'n'roll fanático, a dor existia, mas a festa não tardaria a chegar. No palco eles eram incomparáveis ! Aquele ser andrógino, ridículo e genial, rebolando, púbis quase de fora, caras e bocas, voz de afinação impossível, dando o prazer do " tudo pode" à um povo sedento de liberdade, de quebrar tabus de folia. João em sua pose de glitter lusitano, se achando o maior sex-symbol do mundo, o Marc Bolan da Lapa. E Gerson Conrad, o Charlie Watts do grupo, com sua cara de " que que tou fazendo aqui ? ". Nada foi ou é parecido. Penso que um SM hoje seria impossível. Não há humor para isso.
O disco, recorde de vendas, é ainda coisa única. Profundamente latino-americano, totalmente rock'n'roll. Desde a linha de baixo do originalíssimo Sangue Latino, música que me deu e dá sempre vontade de cantar junto, com sua sinuosa melodia de mata virgem, com seu não-refrão, e essa voz que é enigma de sangue e de sexo. Passando por O Vira, sonho de toda banda "engraçadinha " , com arranjo festeiro de Zé Rodrix. Mas nasce na faixa 3 obra-prima das obras-primas : Amor. Linha de baixo imbatível ( Willy Berdaguer é o cara ). Amor é POP perfeito. Sinuoso, grudento, original, leve e sublime. Poucas canções são tão perfeitas. Tudo nela balança e é certeza de acerto. E esse baixo.... tem coisa melhor ? Vem então a Primavera nos Dentes, momento de reflexão linda e de profunda melancolia. Para brotar então Assim Assado, coisa séria : percussão de índios com solo glitter. A voz de Ney torna-se hilária : estamos nos tempos de Monty Python. Puramente e permanentemente genial.
Mas continua. Mulher Barriguda é Stones. O "Yéahhhh" de João trai tudo : it's only rock'n'roll but i like it ! A Rosa de Hiroxima me fez chorar aos 10 anos... é bonita bonita. Vem uma sequencia de pequenas jóias de um minuto cada. Elas vão do dolorido ao " bem louco". Abrem caminho para a poesia de Fala, beleza etérea e eterna travestida em canção de arranjo de gênio. Fala fecha esta absoluta obra-prima com melodia de sonho e letra de encanto mudo. O disco é completamente do cacete !!!!
Eles terminariam ruidosamente após um ano e mais um disco ( apenas bom ). Deixariam orfãos todos que viram esse disco voador pousar na Terra, no Brasil, e que viram descer dele 3 alienígenas. Sem sexo, sem estilo conhecido, plenos de poesia e boas intenções. O disco zarpou e os levou pra sempre.
Ney se tornou aquilo que sempre desejou ser : dono de seu próprio nariz. Um grande cantor que faz o que quer fazer. Gerson sumiu. João Ricardo teve estranha história. Lançou logo carreira solo ( lembro de um brinde da revista POP, da Abril. Um adesivo-poster de João. O estrelo-glam, terno rosa de cetim, óculos de strass, sapatões brancos, deitado languidamente em sofá de tecido rosa-choque. Um luuuuuxo ! ) mas sua carreira, muito rock, muito glitter, não engrenou. Seu ego, imenso, destruiu seu ideal.
Ficou este disco. A lembrança de uma tarde em Santos ouvindo o LP pela primeira vez. E a bomba nuclear que foi vê-los numa era tão machista, de bigodes, ternos cinzas e bons costumes. Que coragem Ney !!!!! Que audácia João !!!!!!!! Que bonito Gerson !!!!!!!!!
Os SM foram carnaval de sonho em país de trevas. Meu coração sempre será grato ao que me deram. VIVA !!!!!!!!