A CIDADE DAS REDES - OTTO FRIEDERICH

Os anos 30 em Hollywood. Mas sob um viés crítico. Para Otto, muito melhor é falar de Brecht e Thomas Mann em Hollywood que sobre Cary Grant ou Erroll Flynn. E ficamos sabendo que Brecht apresentou roteiros para os gigantescos estúdios da época. E foi devidamente recusado. Assim como Heinrich Mann, o paupérrimo irmão mais velho de Thomas.
Com o advento do som ( 1928 ) os chefões correram atrás de quem soubesse escrever bons diálogos. Os anos 1930/ 1939 são época de roteiristas. Faulkner, Huxley, Dos Passos, Steinbeck, Dorothy Parker, Ring Lardner, Ben Hecht, Herman Mankiewicz, Charles Lederer, Joseph Mankiewicz, e os futuros diretores John Huston, Billy Wilder e Preston Sturges. Os grandes estúdios ( MGM, Paramount, Warner, Columbia, Universal e RKO ) mantém rebanhos de roteiristas. Salários altos, escritórios com secretárias, a obrigação de bater ponto todo dia e de entregar dois roteiros por semestre. Ben Hecht foi talvez o melhor deles. Mas seguido de perto por Dudley Nichols, Samsom Raphaelson, Moss Hart, Morrie Ryskind, Robert Riskin... são centenas !
Nos anos 40, após o sucesso de E O VENTO LEVOU, vem a era do produtor. É tempo de Selznick, Zanuck, Goldwyn, Wallis, Cohn... época de filmes fabricados com estratégia militar. E gastos de fantasia. Como se esbanjava no período 39/ 48 !!!!! A derrocada a partir de 1949 era inevitável. Nos anos 50 teremos a época do ator. Filmes feitos ao gosto e ao modo do "Star". Nos 60/ 70 vem a era do diretor e desde então a época da empresa de marketing.
Vale aqui uma ressalva : em livro lançado recentemente ( que comentarei futuramente ) é dito que esta época em que estamos é tempo de produtores . Diretores são meros empregadinhos, hoje. E atores nada mais que bibelôs de mesinha de centro. É verdade. ( Com muito poucas excessões, é claro. ) E quando os produtores dominam o cinema atual, significa que esse produtor não é um homem de cinema. Normalmente é um grupo de midia e de marketing que vê o cinema como um negócio, um produto. O produtor dos anos 40 é outro tipo de ser. Ele é um arrogante individualista, um animal de lucro e de cifrões, mas, e aí há a fundamental diferença, ele é um ser do cinema. Respira filmes, foi feito nos filmes, só entende de fazer filmes e apesar de sua dureza para com atores e diretores, ele realmente ama o veículo. O livro conta histórias hilárias sobre a falta de tato desses produtores e de como os roteiristas tinham de brigar para serem entendidos. ( Mas a mais deliciosa história é sobre Faulkner. Chegando na Paramount ele, em entrevista com o chefão, diz querer ser roteirista " dos desenhos de Mickey Mouse ". Faulkner jamais fora ao cinema, a não ser para ver desenhos e noticiários. Ele pede também para escrever " Noticiários ". William Faulkner ficaria encostado até ser resgatado pelo grande Howard Hawks que se tornaria seu amigo de toda vida.
O maior diretor de comédias da época ( e ídolo dos irmãos Coen ) Preston Sturges, tem também uma maravilhosa história. Nasceu em milionária família de excêntricos. O pai era inventor, a mãe logo se separou e partiu para a Europa levando Preston junto. Ela se casou com sheik árabe e depois com nobre italiano. Foi amiga de Isadora Duncan e criou uma nova marca de perfumes. Preston se torna inventor e aventureiro. Volta aos EUA e por acaso escreve roteiro de sucesso. Mas sua ambição sempre foi a de ser "inventor". Seus roteiros ? A história de uma virgem que engravida na guerra e não sabe dentre os 80 soldados qual o pai da criança. Todos seus roteiros são assim : fora dos padrões, impossíveis, ousados e absolutamente corajosos. O sucesso foi imediato. Mas Preston irá morrer falido. Toda sua fortuna torrada em suas "invenções". Um personagem maravilhoso foi Preston.
O livro ainda fala de porres homéricos ( Faulkner, Erroll Flynn e John Barrymore eram imbatíveis ), maconheiros ( Robert Mitchum ) e amores destrutivos . Nesse quesito nada se compara a história de Jennifer Jones e Selznick. Ele, simplesmente foi o maior produtor que o cinema já teve. Ela, tímida jovem atriz, casada com ator ( Robert Walker ). Pois bem... Selznick e Jennifer se enamoram. Ela, que sempre foi boa atriz e bela mulher exótica, ganha Oscar logo em sua estréia, e termina o casamento. O marido abandonado bebe até morrer. Selznick irá à falência nos anos 60, mas Jennifer será fiel até o fim. Ele morre ela enlouquece e é internada. Tem alta e se torna, já mulher madura, uma respeitada psicóloga. Pelo que sei ela ainda é viva.
O Macarthismo ocupa boa parte do livro e ficamos sabendo da covardia de vários nomes e do fascismo de gente como Sam Wood, Leo McCarey e Ronald Reagan. Palmas para John Huston, Bogart, Frank Sinatra, Kate Hepburn, Spencer Tracy... gente que nunca se omitiu. Mas são páginas tristes...
Assim como é triste a perseguição a Ingrid Bergman, considerada mulher imoral por ter abandonado marido e filhos e ido encontrar seu amor adúltero, Rossellini, na Itália. Mas o tempo vinga tudo : Ingrid ganharia mais dois Oscars e seria eleita em 2007 a maior estrela feminina da história do cinema. Aliás foi Ingrid a primeira atriz a assumir seu próprio destino. É fascinante a descrição de sua primeira entrevista com o poderoso Selznick. Ela não aceita usar maquiagem, não muda seu nome de batismo e nem sequer raspa as sobrancelhas. Ela é quem cria Ingrid Bergman e não Selznick.
Como prova da eternidade mitica desse tempo, dentre os 10 maiores atores, 8 são egressos desse período, e das atrizes, 7.
Apesar de ser a era de roteiristas e depois de produtores, o período 30/49 é sim o auge de estrelas que insistem em não se apagar. Homens e mulheres originais, perfeitos, brilhantes e moldes de gerações e gerações daquilo que se chama "glamour". O livro de Friederich tenta evitar esse brilho. Não consegue. Ainda bem...