O DIA EM QUE UMA BOLA ME FEZ CHORAR

As malas estavam prontas e nós iríamos para Paris em 3 dias. Eu não queria ir. Era ainda um anglófono, não gostava da empáfia parisiense. Mas alguma coisa estava mudando em mim. Era a copa da Espanha, uma copa marcada pelo sol e por alguns jogos inesquecíveis. A última copa em que quatro seleções poderiam ser campeãs com justiça. ( Itália, Alemanha, Brasil e França. ) Foi a copa de Rossi, Rummenigge, Falcão e Platini. Mas também de Antognoni, Breitner, Junior e Tigana. E muito mais...
No meu quarto, eu, que durante a copa aprendera a amar a seleção da França, assistia mais uma exibição de gala desse time que era como Mozart em campo : refinadíssimo toque angélico. Eles jamais davam um chutão, nunca faziam um lançamento longo. Eram passes curtos, milimétricos, dribles limpos, claros, refinados. Uma completa âusência de violência. As camisas azuis, da Le Coq Sportiff, jamais erravam. Aprendi a idolatrar aquele meio campo que era um quarteto de cordas digno de Haydn : Alain Giresse, um ladrão de bolas, um baixinho de Marselha, um Napoleão da bola; Ghenghini, o rei do passe, príncipe de modos sublimes, magro garçon; Tigana, o ágil, veloz, surpreendente Tigana, primeiro ídolo negro da bola tricolor, habilidoso atacante de raio sem fim; e o maior de todos : Michel Platini, apesar de Zico, Maradona, Zidane, Romário, Crujff, Van Basten e vasto etc, foi este 10 tricoleur, o mais perfeito toque que um time já teve. É dele o mais belo gol que ví ( Juventus x Argentinos Júniors em Tóquio. Três chapéus, limpos e longos na pequena área, e o gol. Tudo sem deixar a bola cair e sempre com o mesmo pé. O juiz anulou esse gol. Porquê ? Nunca ninguém soube. A Juve venceu com gol de Michel. )
O jogo naquele dia era pela semi-final, contra a Alemanha de Rummenigge, Breitner, Hansi Muller e Kaltz. Detalhe : a França até então jamais vencera os alemães em competições oficiais. Mas o jogo foi uma festa francesa ! Toques e mais toques de classe, dribles maravilhosos e um fato raro : essa seleção nunca errava um passe ! Era um ballet dos quatro mosqueteiros do meio campo. Mas... tragédia de Racine : o ataque de Rocheteau e de Six perdia gol atrás de gol ! Um gol fez a França, um mísero gol ( como em 2006 contra o Brasil, em que moralmente o jogo deveria ter sido 3x0 ). E a Alemanha, que na época ainda era A Alemanha, fez um também, e levou o jogo para a prorrogação.
Vieram então os mais fantásticos 30 minutos de toda a história do esporte ( e quem diz isso não sou eu, é a FIFA. Este jogo é o quarto maior da história. Os outros 3 são : 1970- Alemanha 4x4 Itália, 1982: Brasil 2x3 Itália, 1970: Brasil 4x1 Itália e este França e Alemanha ).
Nessa prorrogação a França, nos quinze primeiros minutos, jogou o melhor futebol que presenciei em toda minha longa vida. Fez 3x1 nos alemães e começou a comemorar a final, que seria contra Brasil ou Itália. Trocava passes, dava dribles, e finalmente, fazia gols. Veio o segundo tempo e nada mudou : um show de classe. O quarteto tocava Beethoven para os germânicos. Mas... aos 10 do segundo tempo Rocheteau invade a área livre para fazer o quarto. O goleiro Schumacher, sai e tromba com Rocheteau. O francês sairá de campo com o maxilar fraturado. A França desaba. O pênalti não foi marcado e Rummenigge, aos 12 e aos 15 do segundo tempo da prorrogação faz o milagre : 3x3.
Quando Six chuta fora o último pênalti... eu choro. Porquê chorei neste jogo e não em Brasil e Itália ? Porquê a Itália jogou melhor aquele jogo. Os dois jogaram bem na verdade, mas os italianos tiveram mais raça. Mereceram. ( e, típico daquela nobre geração brasileira, de Sócrates e Zico, de Falcão e Júnior, de Telê e Leandro; jamais se contestou a vitória italiana. Choraram, mas nunca criaram teorias conspiratórias, como fez a vergonhosa geração de 98, dos amarelões Ronaldo e Júnior Baiano. )
Chorei naquela tarde/noite porque assistí a derrota da beleza frente a eficiência, da arte frente a guerra, do melhor frente ao aplicado. Ver Platini chorar ao final me engasga até hoje, e fez com que nascesse minha francofilia ( sim. Não foi Sartre ou Godard. Foi Platini e Ghenghini. )
A geração do cérebro Zidane, o maior jogador dos últimos 15 anos, lhes faria justiça. Seriam duas euros, uma olimpíada, duas copas das confederações e uma das mais belas vitórias em copa. ( Contestada só no Brasil, que é parte interessada. Um time com Vieira, Deschamps, Desailly, Zidane, Pires, Henry e Trezeguet não mereceu ? Na verdade a França foi prejudicada naquela copa em casa : Zidane foi expulso na primeira fase e suspenso, injustamente, por três jogos, só retornou na final. )
O que me levou a escrever este texto foi exatamente o São Paulo e Flamengo de ontem. Um lançamento banal de um jogador paulista e uma exibição normal de um velhinho europeu bastaram para mostrar a carência de cérebros que há no futebol. De alguém que pense o jogo, que encontre soluções, que faça o inesperado. Como faziam em superlativo grau os 4 mosqueteiros, como Zidane sempre fez, com frieza Descatiana, e como tantos brasileiros sempre souberam fazer ( Gerson e Rivelino eram mestres nisso. ) Aqui, Raí foi um dos últimos. O estilista, o mago, o simplificador. Naquela tarde maldita isso começou a morrer. Faríamos melhor se, como Telê fez com Crujff, aplaudìssemos Zidane e Platini, e não culpássemos os deuses, a Nike, a bola ou o acaso. Pet mostrou a elegância que o futebol deve ter. Ou então, é o tédio de super-atletas correndo e berrando até morrer. A Alemanha venceu naquele dia. Mas o mundo chorou por Platini. Justiça, enfim.