ATENÇÃO:
ESTE TEXTO NÃO DEVE SER LIDO POR MENINOS ( MENINA PODE ). ELE FALA SOBRE SENTIMENTOS VIRIS. PODE CAUSAR DOR, MEDO E INSEGURANÇA.
A Rolling Stone disse uma vez que existe um certo tipo de disco que consegue passar aquilo que seria um ato de sucídio por amor. Música que é um abismo de dor, mas não de neurose. Ao contrário da neura, é dor verdadeira, inteira, assumida, é a completa e abismal paixão. O autor do texto cita "Darkness on the edge of town" de Bruce e "Tonight is the night" de Neil Young como exemplos desse momento de dor e de inspiração, e cita " Derek and the dominos" como o momento maior, onde o autor se mata de amor em nossa frente, e ao ouvir o disco, se estivermos apaixonados, nos sentimos morrer com ele.
Mas o que é Derek ?
Você sabe, é o Eric Clapton da heroína, o cara que em 1970 todos diziam ser o próximo morto. O que não sabiam é que ele já estava no inferno. ( E è sintomático de sua situação o fato de Keith Richards ter dito numa entrevista que trabalhar com Clapton era barra-pesada demais !!!! ).
Eric acabou com o Cream ( no auge da fama ) por dois motivos : por ter escutado a The Band e querer fazer aquele som, e por estar entupido de heroína. Mas, como tudo que é ruim pode ficar pior, ele se apaixona pela esposa do melhor amigo : Patty Boyd Harrison, esposa de George, aquele George...
Clapton vai, cheio de culpa ( não foi platônico e George perdoou os dois ) para a América e se mistura com uma gang de muito talento e de muita droga, os tais Dominos. Disfarçado então, ele lança um disco onde canta ( grita ) seu amor por Patty. Ouvindo o disco ( que nada mais é que uma carta de amor ), ela escolhe continuar com George, mas dois anos depois opta por Eric ( com quem ficaria mais de dez anos ). Clapton lança o disco, pira de vez e desaparece por quatro anos. Quando retorna, limpo de heroína, bebedor compulsivo, ele se apresenta como o cara que conhecemos desde então : acomodado, calmo, pop. Com a morte, por sucídio amoroso, daquele poeta do blues, nasce o guitarrista pouco ousado, clean e elegante, boa praça. Quem assistiu o show em homenagem a George ( excelente ) sabe do que falo : Clapton é um gentleman. Mas quem ouviu e sentiu os Dominos sabe mais : o disco é um berro de desespero amoroso.
Como devo deixar bem claro, o disco é de dor e desespero, mas nada tem de neurótico. O amor que ele passa é a paixão visceral de um homem de coragem por uma mulher especial. Apesar de ter sido gravado por um bando de junkies, nada em seu som trai qualquer tipo de viagem ou de pesadelo drogado. É um disco de blues. Para ser entendido por quem se perdeu numa estrada, para quem sabe o que é estar onde não se queria estar, para quem acordou e se viu no blues.
Nunca duas guitarras soaram tão fortes e tão cheias de sangue. Clapton chamou Duane Allman para tocar com ele. Duane, na época não muito conhecido, morreria em acidente de moto dois anos mais tarde, no estouro da Allman Brothers Band. Eric, com a modéstia que nele parece ser verdadeira, deu para Allman os melhores solos e passa boa parte do disco fazendo base para os solos de slide do americano. E que solos ! Tudo o que uma guitarra pode fazer em termos de emoção é feito pelo slide de Duane e pelo dedilhar de Eric. Os solos não são colocados nas músicas, eles explodem, sempre em desespero, sempre em lamentações dobradas, numa espécie de hiper saturação do blues. O efeito sobre aquele que já se apaixonou pela mulher errada e pagou por isso, é devastador. As duas guitarras, faixa após faixa, trazem uivos e gemidos que revivem toda a dor de uma emoção destruída e destruidora. Após estas faixas não há como outro guitarrista os superar, a linguagem do instrumento é esgotada.
As faixas falam de toda a história dessa paixão. Começando com " I Looked Away ", com solo soberbo de Eric, caminhando por "Bell Botton Blues", faixa que já estraçalha seu pobre coração aniquilado, tudo no disco conta a história da sua/ da minha/ da paixão de todos. Mas veja bem, paixão com P gigante, paixão louca de total entrega e total desfalecimento. Clapton se suicida nestes sulcos, dá sua alma à musa e renasce outro ser, anos depois. O cara que gravou isto, o louco deus da guitarra do Cream e do Yardbirds desaparece neste album. Album que continua com a festa de Keep on Growing, prossegue pela soberba Anyday- que tem vocais de morrer de dor, e deságua na música das músicas de estrada, Key to Highway, que tem os melhores solos já gravados. Quando Have you ever loved a woman surge, só resta entregar tudo à música, o que foi gravado alí é algo precioso demais para ser explicado. É música pura, superior; explicá-la é tão dificil quanto explicar uma paixão.
Dos músicos que tocaram neste disco, dois se mataram, um enlouqueceu e Duane morreu no acidente. Eric Clapton sobreviveu. E acima de Hendrix, Cobain, Morrison ou Curtis, eu valorizo o sobrevivente, o que viu a besta e voltou para continuar. Clapton viu. O demonio que ele viu tem o tamanho deste emocional disco. Era um demonio feito de amor, de desejo e de aventura. Ele soube domá-los. Não fez pouca coisa.
Ao final ele sobreviveu a Patty e a George. E melhor, manteve a amizade dos dois. O que fica disso tudo ? Este disco... e penso que ao final tudo se resume ao blues........