DAISY MILLER / INCIDENTE INTERNACIONAL - HENRY JAMES

Um imenso prazer ler James. É o melhor escritor dos últimos 150 anos ? Talvez Tolstoi e Proust sejam tão bons quanto ele, mas desde Stendhal eu não conheço quem escreva tão bem, tão "bonito", de modo tão claro, refinado, prazeroso e profundo. James esgota os vários angulos de cada sentimento, nos dá o personagem inteiro, complexo em todo matiz, cria com exuberância.
Daisy Miller é uma noveleta de 80 páginas. Compara americanos à ingleses. Sabemos que James nasceu na América, mas muito cedo emigrou para a Inglaterra. Sua descrição é imparcial, mas notamos, surpresos, que na época desta história ( 1875 ) a América já era a América. Vejamos :
Toques cômicos animam todo o relato. Desse modo, vemos Daisy, em Londres ( e depois em Roma ), uma americana rica ( James só fala do que conhece, as altas classes ), se divertindo como uma americana se diverte : falando tudo o que pensa. Isso deixa os britânicos alarmados ! Falar tanto, falar tudo, fazer confidências, expor sentimentos... quanta falta de educação ! Pior, Daisy anda sozinha pela cidade ! E se aproxima dos homens, sorrindo, sem ter sido apresentada à eles ! Tudo nela é ação ingênua, tudo nos ingleses é convenção estudada. Nada pode ser natural na Europa, lugar antigo e pouco selvagem. Para Daisy, viver é falar e fazer. Ingleses não se preocupam em fazer, seu ideal é a nobreza, e um duque passa a vida na inutilidade.
Na segunda história, são dois nobres ingleses que visitam Nova Iorque, e o tom cômico é maior. Basta dizer que eles temem não compreender a língua americana e morrem de calor no verão, pois para eles Nova Iorque está muito próxima do Equador !!!
Neste relato, os dois são ponto de atenção da sociedade de Newport, sociedade que se irrita ao constatar que um nobre inglês jamais comparece ao parlamento e nunca demonstra interesse por suas próprias ruínas históricas. Eles nada têm a dizer sobre nada. As americanas, por seu lado, fazem aquilo que as americans fazem todo dia e toda hora : compras ! Sim meus caros, em 1875 a grande atividade americana já era o consumo. E elas andam de lá para cá, toda tarde flanando, e comprando sedas, jóias, luvas, sombrinhas, botinhas, perfumes, quadros, flores, móveis, tapetes, vestidos, vasos, talheres e um imenso etc. Os homens trabalham e trabalham, mesmo os milionários, que não conseguem parar de fazer dinheiro. São todos terrivelmente ingênuos. Acreditam na democracia, na missão americana e em Deus. Pior, acreditam que a Europa é aquilo que leram em livros europeus. Sempre se decepcionam, e descobrem, como caipiras que são, que nada é melhor que Richmond.
A salientar a figura de Raymond, uma criança americana na Europa, que reclama todo o tempo da Inglaterra. Para ele o céu é nublado, as pessoas são feias, as casas pequenas e a comida sem sabor. Lugar bom é Poconotsy, onde existe o bom doutor Taylor, que tudo cura, e onde as estrelas brilham de verdade. Para ele, a Oak street é muito maior que Trafalgar e Picadilly juntos.
Assim como é hilário o modo como os dois nobres estranham o chuveiro do hotel ( imenso, a América é a terra dos hotéis e dos transatlânticos ) e ficam horas tomando banho.
O que notamos é que nada mudou na América. E é fascinante ver o nascimento do gigante, em seu auge de otimismo e juventude. Era óbvio o fato de que seu estilo de viver seria dominante no século seguinte, que toda cidade seria Nova Iorque e que toda mocinha seria Daisy Miller. Já os ingleses sumiram. Tornaram-se apêndices da América, pseudo americanos com a pose de nobres, ou cockneys que pensam estar no Harlem.
Além de mestre da psicologia, Henry James se revela aqui ( nestes seus primeiros sucessos ) um humorista digno de Wilde e um observador agudo daquilo que realmente importa. Ler estas novelas é prazer e informação, o que mais se pode querer ?