WYLER/GROUCHO MARX/AVANT-GARDE/RAY

INFÂMIA de William Wyler com Audrey Hepburn e Shirley MacLaine
Numa escola feminina, aluna acusa as sócias da tal escola, de terem um caso gay. Está feita a tragédia. Filme levado com bela discrição e grandes atuações. Mais um acerto desse venerável Wyler, o mais premiado diretor do cinema americano. Voce se envolve, torce e fica chocado com seu final absolutamente pessimista. nota 7.
ANDREI RUBLEV de Andrei Tarkovski
Não consigo assistir Tarkovski. Percebo sua originalidade, sua nobreza e seu realismo. Mas me irrito com sua lentidão, me perco em seus devaneios, adormeço com sua frieza. Nota 1.
ROBERTO CARLOS EM RITMO DE AVENTURA de Roberto Farias com Roberto Carlos, Reginaldo Farias, José Lewgoy
Há uma cena em que vamos dentro de um helicóptero em vôo rasante pelo Rio de 1967. É de doer : que bela cidade ela foi ! Quase sem favelas, muito verde e um trânsito ainda civilizado. Quanto ao filme : é um Help tupiniquim. Um Roberto, muito jovem e cheio de alegre ingenuidade, vive aventuras moderninhas em ritmo de nouvelle vague. Suas roupas são fascinantes e Reginaldo está hilário como o diretor de cinema doido. A trilha é uma brasa, mora! Tem desde "Eu sou terrível " até "Negro Gato". Roberto era um tipo de bom menino com roupas bacanas. Funciona, o filme é o retrato de um país que não existe mais : jovem e inocente. nota 6.
APARAJITO de Satijajit Ray
Segunda parte da vida de Apu. Ray, com dinheiro de amigos e de imóveis, criou o cinema indiano realista. As 3 partes da vida de Apu dignificam o cinema. Aqui vemos Apu adolescente, indo para a cidade grande e se tornando bom aluno. Mas o foco é sua relação com a mãe : dolorosa. O filme é menos emocionante que "O mundo de Apu", mas ainda assim é fascinante e hipnótico. Ray foi um grande poeta e suas histórias têm o encanto de fábulas. Nota 8.
UTAMARO E SUAS CINCO MULHERES de Kenji Mizoguchi
Dos três gigantes do cinema japonês, Mizoguchi é o mais nipônico. É fascinado por sexo e morte, e tudo em sua obra exibe cuidado plástico e tradição. Porém ele se perde neste confuso e inconvincente drama sobre erotismo, arte e mentira. O roteiro é mal desenvolvido e a ambição está acima da realisação. O mais fraco Mizoguchi. Nota 4.
A AVENTURA de Michelangelo Antonioni com Monica Vitti e Lea Massari
Excelente filme para quem sofre de insônia. Após 30 minutos é impossível não se adormecer. O filme tem o pior dos defeitos : fala do tédio da burguesia. E nos entedia. Nota Zero.
OS 4 PRIMEIROS FILMES DOS IRMÃOS MARX : THE COCOANUTS, OS GÊNIOS DA PELOTA, OS 4 BATUTAS e OS GALHOFEIROS. Diretores : Victor Hermann, Norman Z. McLeod e Robert Florey. Com Groucho, Harpo, Chico e Zeppo. Mais Lilian Roth e Margaret Dumont.
Uma das alegrias da vida é poder assistir os filmes dos irmãos Marx. Não é cinema, como WC Fields não o é. É mais que isso. Assistimos seus filmes como se neles encontrássemos um segredo : são uma religião. Por isso que com eles não há meio termo, ou se ama, ou nada se entende. Não existe o mais ou menos, não existe a meia fé. E minha fé é grouchoharpochicoana. Graças ao vaudeville. Seus filmes não têm história, não têm evolução. Assistimos para comungar com sua felicidade. Pois o mistério dos irmãos é esse, eles exibem uma profunda felicidade. Amar os irmãos Marx não é sinal de inteligência ou de bom gosto. É sinal de saudável espirito brincalhão. São um topo inatingível de descompromisso com tudo, de criatividade anti- correta, de brilho hedonista. Groucho fala o que pensa e o que ninguém entende, Harpo anda pela vida como um cachorro no cio e Chico é o mal-humor feliz. E nós, crentes na Marxilandia do espírito anarquista, sorrimos gratificados com o fato do cinema nos ter dado tal clarividencia. Para o mundo dos Irmãos, a vida é uma bosta e para viver bem é preciso nada se levar a sério. Os quatro primeiros filmes, da fase da liberal Paramount, são meus favoritos por serem os mais toscos. Na Metro eles ficariam um pouco presos. E palmas para Margaret Dumont, a vítima perfeita de Groucho, e atenção para Lilian Roth, símbolo belíssimo e sapeca das estrelinhas dos anos 30. Nota Um milhão quatrocentos e setenta e oito mil e sete.
A ARCA RUSSA de Alexander Sokurov
Crítica abaixo. Dizer mais o que ? Um diamante, uma porcelana de Sévres, um quarteto de Haydn, um conto de Voltaire. O filme brilha e é uma obra-prima dos anos 90. Nota Dez.
ELMER GANTRY de Richard Brooks com Burt Lancaster e Jean Simmons
O filme ataca um dos calcanhares de Aquiles da América : a religião. Deu o Oscar de ator à Burt e ele brilha como um malandro que se torna pastor. Nos irritamos com sua falsidade, mas ao mesmo tempo, nos apaixonamos pelo seu carisma. Burt lhe dá várias facetas, o que faz de seu desempenho exercício fascinante. Mas a direção de Brooks é crispada, séria demais, veemente em excesso, pesada. O prazer em se ver o filme se esvai na direção dura de Brooks. Nota 5.
HANGMAN'S HOUSE de John Ford
Filme pseudo irlandês, da fase muda de Ford. Tem belo trabalho de fotografia e se assiste com belo interesse. Mas está longe das obras-primas do mestre maior. Nota 6.
LES AMANTS de Louis Malle com Jeanne Moreau e Alain Cuny.
E Malle continua sua obra sobre a culpa. A não-culpa, no caso. Uma chatíssima burguesa entediada tem um amante. Diverte-se com ele como quem compra um novo casaco. Mas o marido, esteta chato, convida o amante e a amiga da esposa a passarem um fim de semana na mansão do casal. No caminho a esposa infiel conhece jovem e arruma um novo amante. Nada de culpa e nada de drama. Malle é um grande diretor : mostra o tédio e jamais nos entedia. O filme flui lindamente e tem uma fotografia em p/b brilhante ( de Henri Decae ). Moreau, atriz que não me agrada, está aqui sensual e muito bem. O filme arrisca em seu final : o apaixonar-se dos dois tem todos os hiper clichês de uma nova paixão. Sentimos enjôo. Mas funciona, vemos toda a tolice do se apaixonar por tédio. As cenas são plasticamente belíssimas, mas o que eles dizem é chocantemente tolo. O filme se faz comédia estratosférica. Malle sabia tudo. Nota 7.
PAL JOEY de George Sidney com Frank Sinatra, Kim Novak e Rita Hayworth
O azar de Kim Novak foi seu contrato com a Columbia. Ela era muito mais do que o studio acreditava. De qualquer modo ela esteve em dois anos em Vertigo e em Pic Nic. E neste Pal Joey, onde ela rouba o filme. Linda e vulnerável. Sinatra é um cantorzinho mulherengo fracassado, que tem sua grande chance ao conquistar viúva rica ( Rita muito abatida ). O filme tem na trilha "My funny Valentine", "The lady is a trammp" e "Bewitch", todas de Rogers e Hart. Precisa mais ? São três das maiores canções já escritas. Mas o filme sofre de um roteiro pouco inspirado, bobo. Melhora quando Kim aparece mais e Sinatra se humaniza. Em tempo : no filme Frank conquista toda mulher que deseja. Sua teoria é : trate a mulher sempre como ela não espera. A bonita como se fosse feia, a feia como bonita; a deusa como vagabunda, a vagabunda como deusa; a séria como palhaça e a palhaça com seriedade. Isso é puro Sinatra ! Nota 6.
A PARTIDA de Yojiro Takita
Fuja deste chatíssimo exemplo de filme vazio e sem porque. Deve agradar ao tipo de público bonzinho. Mas é exemplo do vazio absoluto de idéias e de projetos do atual cinema japonês. Chato pacas!!!!! nota zero.
A FRONTEIRA DA ALVORADA de Philippe Garrel com Louis Garrel e Laura Smet
O diretor, séculos atrás, foi namorado de Nico. Este filme recorda isso. Tem os piores tiques moderninhos dos anos 70 levados aos xoxos anos 2000. O filme é uma imensa crise existencial que só pode interessar a quem a vive e nunca a nós que a assistimos. Exemplo de filme masoquista. nota zero.
AVANT-GARDE
Houve um momento na história do cinema em que ele precisou se definir. Ou se assumia literatura, ou se fazia arte plástica. Venceu a literatura, e o cinema que hoje conhecemos tem história. Tem enredo, personagens e narrativa pessoal. Esta coleção de dvds, mostra a vertente derrotada, a turma que via no cinema algo próximo a fotografia e a pintura, imagens, puras imagens em movimento. Se alí fosse percebido algum sentido literário seria por mero acidente. ( Aliás, uma pintura pode contar uma história. Mas não é o principal. O que define a pintura é sua realidade como imagem, como puro visual. E isso lhe justifica, lhe basta. )
O que vemos nestes videos são curtas de artistas que filmaram imagens em movimento. Alguns são completamente aleatórios, outros possuem enredo, mas todos têm o fascínio da imagem solta, livre, sensual. Se os video-clips tivessem alma seriam assim. ( E a gente nota que todo diretor de clips assistiu e estudou estes filmes ! ). Que filmes são estes ?
Man Ray é o que mais me tocou. São quatro curtas desse irriquieto fotógrafo americano, que viveu a boemia francesa como poucos. A ESTRELA DO MAR é uma das maiores obra-primas que já assisti. São cenas de um prazer imenso, de absurda sensualidade, onde toda imagem é uma nova surpresa. Mas os outros três mantém o mesmo nivel : maravilhosamente surreal. Mas há mais. Hans Richter com cenas de força e de ritmo vertiginoso, Charles Cheeler e suas tomadas de Manhattan baseadas em Whitman, BALLET MECANIQUE de Léger, famosíssimo curta que merece a fama que tem, há ainda a obra-prima de Germaine Dullac LE COQUILLE ET LE CLERGYMAN, filme encantador como sonho e como viagem de ópio, BRUMES D'AUTONNE de Dimitri Kirsanoff, com imagens de melancolia obsedante. E esse burlesco CHATEAU DE DÉ de Man Ray, que é um monumento ao nada. Todos são fantásticos, como continentes perdidos, um mundo cinematográfico abandonado, porém é mundo vivo, moderno, instigante e transgressor. Conhecer estes filmes é ver aquilo que esta arte poderia ter sido, aquilo que em seu inconsciente ela quer ser : livre. Impossível dar nota a tal monumento. Assita e se surpreenda.