da melancolia, da deprê, do trabalho...

A tristeza já foi chamada de melancolia. Hoje é depressão. Deprê é a tristeza sem poesia. Melancolia é uma nuvem de solidão. O melancólico sofre por perceber ser o mundo errado. O deprimido sofre por acreditar na alegria de todos e ele, pobre ser, não conseguir participar dessa ilusória festa geral. O melancólico critica a vida, o deprê se critica.
A melancolia é produtiva. Na pior das hipóteses nos dá chatos pretensiosos. A deprê não produz nada, é o vazio da fertilidade. Creia : nenhum verdadeiro deprimido torna-se artista. No máximo, ele é um orfão profissional. O melancólico constrói mundos alternativos. Feitos de lágrimas, saudades e rancor. Os dois são vistos como perdedores. O deprimido acredita ser um derrotado, o melancólico tem orgulho de sua derrota, para ele, quanto mais distante deste mundo, melhor. O deprê ansia por ser aceito. Consome. Consolos para uma tristeza que não se cura. Consome remédios, terapias, livros de auto-ajuda, filmes bacaninhas, canções que acalmam. Consome bebida, cigarro, festas sem sentido, baladas frustrantes, roupas novas que nunca usa, viagens sem aventura e aventuras sem viagens. E se entrega ao vazio da impotência. Da infertilidade.
O melancólico, com sua alma velha e romântica, desconfia de toda ciência. Pode até usar remédios, mas usa-os errado. Vai a terapia para desafiar a própria terapia. Cria sua crença. Se entrega a livros de poesia, de simbolismo místico. Viaja nas notas de canções que ninguém escuta, são só dele, e se alguém mais as ouvir, o melancólico melancolicamente deixa de apreciá-las. Os seus filmes são filmes sobre os sonhadores, os fora de lugar, os fora do tempo. Ele foge de baladas e de festas, foge de tudo que lhe pareça comum, banal, vulgar. A melancolia é incurável por ser amada pelo triste. Ele mantém esse doloroso orgulho. A potência de gerar desesperança.
A melancolia só é possível no mundo da arte e da religião. Tristeza que se espelha no santo e no poeta. A depressão é filha da ciência e da indústria. Tristeza que se espelha na funcionalidade e na utilidade. A pergunta do primeiro é : Porque o mundo é tão sem sentido ? O segundo pergunta : Porque eu sou assim ? O melancólico olha e sofre. O deprimido não olha, fecha-se em seu umbigo.
Aldous Huxley aqui no Brasil, em 1960, disse numa palestra que o mundo caminhava para a imagem exata do inferno dos hindús. Nos Upanishads, eles descrevem o inferno como o reino do desejo sem possibilidade de saciedade. Você quer, obtém, e continua desejando. O deprimido é o ex-desejante. Ele acredita que o erro foi dele. Crê nesse inferno. O melancólico culpa o mundo. Percebe a armadilha, mas fica sofrendo por ela existir.
O que pergunto é : Para quem você vive ? Seu trabalho é mero desejo de consumir, ou você trabalha por alguém ou para algum tipo de ideal ? Existe algum sentido em sua dor, ou sua dor é mera disfunção de um tipo de erro de fabricação ? Você crê na alegria do mundo ou procura a felicidade ? Percebe a diferença entre o alegre, sempre ligado, sorrindo, histéricamente falante, cheio de planos e truques; e o feliz, satisfeito, portanto, estável.
O mundo, hoje, ama o alegre e desencoraja o feliz. O alegre é otimista, mas ele precisa de coisas para continuar feliz. Ele se move, compra, agita. O feliz é realista. Ele sabe que sua felicidade independe do exterior. Ele vive. O alegre depende de fazer, o feliz precisa de paz.
O melancólico é velho como um campo devastado pela guerra, um coração partido pelo fim das coisas, uma alma aterrada pela imensa frieza do cosmos e dos deuses. O deprimido é moderno como um computador mal programado, uma metrópole devastada pela solidão, um medicamento que vicia, alma aterrada pela propaganda falsa e tendenciosa.
Com meus Bergmans, meus Vigo, meu Yeats e meu MORRO DOS VENTOS UIVANTES, vocês sabem qual meu partido. E eu amo esse partido... como o amo...