buster keaton e fred astaire, anjos em tela de prata

Creio que foi Roger Ebbert quem fez a comparação entre Chaplin e Keaton. Enquanto Chaplin ( que é genialmente humano ) pede todo o tempo nosso afeto, Buster Keaton simplesmente trabalha. O vagabundo de Chaplin nos chantageia. Ele sofre e se encolhe, e é alguém que poderia ser um carrapato em nossa consciência. Keaton nunca nos chantageia. Não sentimos pena e jamais choramos por ele. Buster nunca desiste. Seu "cara de pedra" luta pelo amor, luta pela vida e trabalha arduamente por seu objetivo.
Todos os seus filmes mostram um homem construindo seu destino. Ele começa o filme numa situação X, e o encerra em situação nova, obtida por esforço e uma fé ingênua na vida. Buster Keaton, ao contrário do muito pessimista Chaplin, é um otimista nato. Seu rosto jamais sorrí, mas sua alma é feliz.
Seus filmes sobrevivem então, porque atrás de seu maravilhoso ritmo circense, atrás da bela presença atlética de um ator de carisma imenso ( houve ator mais fotogênico ? ), persiste o testemunho de um herói, de um lutador, de um teimoso. Assistir seus filmes é observar um anjo, real e possível, em ação.
Amar Buster Keaton É AMAR O QUE EXISTE DE MELHOR NO SER HUMANO.
Como acontece, em outro universo, com Fred Astaire.
Astaire tinha tudo para não ser uma estrela. Era feio, envelhecido precocemente, pouco sensual e com um jeito meio snob de ser. Mas exatamente por ser tão fora dos padrões, tão etéreo, ele se fez uma imagem irreal. Fred Astaire é ficção. Ele e seus filmes são fantasias tão distantes da vida crua e sólida como o são os sonhos e os delírios de amor.
Os cenários são sempre brancos. Paredes, móveis, tapetes, tudo é branco e prata. Os personagens dormem em cetim e seda, passam o dia com champagne, caviar e limousines. O único objetivo é seduzir ou ser seduzido. E todos falam como brilhantes autores de comédias de situação dos anos 30. É um mundo sem dor, sem dinheiro, sem tempo e sem mágoa. Mas nos seduz, por ser o mundo em que vivem nossos sonhos mais persistentes, nossos desejos atemporais.
Não nos vemos em Fred. Mas adoramos observar aquele ser inefável falar, cantar e dançar. Quando ele dança, voa. Quando canta, ensina. Astaire ensina um refinamento de sentimentos possível, ele ensina um modo de se viver com prazer sem hedonismo futil. Fred Astaire dá lições de filosofia sem jamais afetar intelectualidade. E é outro anjo. De inocente sedução.
Quando Wenders fez em 1987 ASAS DO DESEJO, ele usou Columbo, o personagem de tv de Peter Falk, como símbolo de um anjo contemporâneo e possível. Pois Buster Keaton e Fred Astaire ( e também Audrey Hepburn, mas Spielberg a fez "anja" em Always de 1991 ), seriam anjos de verdade. Ambos não parecem deste mundo. Parece que jamais existiram, que não tiveram biografia, que não morreram. Imaginar Keaton mau e vaidoso ou Astaire vingativo e mesquinho é impossível. São afáveis como bons pensamentos e possuem um segredo que se foi com suas vidas.
Assistir seus bons filmes ( e são dezenas ) é entender até onde o homem pode alcançar. Não compreendê-los é como perder um sentido, é como ser cego para aquilo que é melhor. Vive-se menos sem esses alados seres de prata.
Uma nova geração, gente de 18, 19 anos, os cultua.
Nem tudo está perdido.... Viva !