Releio a bio de Cary Grant escrita em 88 por Warren Harris. Cary é considerado o mais elegante ator que já houve e um mestre na comédia chic ( que hoje, tolamente feita e interpretada, virou a tal da comédia romântica ). Para as crianças que não o conhecem, Cary é uma mistura de George Clooney com Hugh Grant e mais doses de Colin Firth, Ewan McGregor e Tom Cruise. Mas já me arrependo desta tosca comparação; ele era único!
Sua vida é fascinante. Nasceu em Bristol, 1904, numa familia bem pobre. Seu nome era Archibald Leach. O pai, alcoólatra, trancou a mãe num hospicio para poder viver com a amante. Cary acreditou que ela houvesse morrido e só a tirou do hospicio vinte anos depois !
Aos 13 anos, Archie; o futuro dandy, o futuro molde da elegancia masculina; ganhava a vida com pernas de pau, andando pela cidade anunciando espetáculos. Entrou para shows de acrobacia, se tornando um tipo de palhaço do vaudeville. Sempre sujo e mal vestido, aos 16 foi ilegalmente numa excursão à América, sendo preso e resgatado de volta à seu país. Mas aos 18 foi para Nova York, para não mais voltar. Fez shows com uma trupe de acrobatas, vendeu gravatas na rua, foi dançarino de aluguel. Começou a conseguir papéis no teatro ( e que beleza ler as histórias da louca Broadway dos anos vinte, com seus teatros para 10.000 pessoas ! ) . Um dia foi descoberto pelo cinema, graças a Mae West, que caiu por ele.
Na California, dividiu casa por anos com o futuro cowboy Randolph Scott, o que causava boatos. Fez 8 filmes em seu primeiro ano na Paramount, mais 6 no segundo ano e mais 6 no terceiro. De repente, em 1937 explode com duas comédias : Topper ( sobre um casal de ricos fantasmas que se recusam a morrer ) e Cupido é Moleque Teimoso ( um casal se divorcia, e ao ter de decidir quem fica com o cão, se descobrem ainda in love ). Logo Grant desbancava Gable, Cooper e Tracy, se tornando o ator número 1 de bilheteria.
Casa-se com a atriz de Luzes da Cidade, de Chaplin ( dura um ano ), casa-se com a mulher mais rica do mundo ( dura dois anos ) e com uma atriz lésbica ( arranjo que durará cinco anos ). Mas aos 49 anos conhece Sophia Loren. Esquece Randolph Scott e fica doente de paixão. Ela prefere Carlo Ponti. Em crise, Cary Grant usa um novo medicamento : LSD. Torna-se, para o resto da vida, arauto dos milagres dessa droga, capaz de fazer renascer, fazer livre o que era obscuro. Para Cary, sua vida passa a se dividir em antes e após LSD. Casa-se com Dyan Cannon, 40 anos mais jovem, e se torna um tipo de senhor bronzeado em férias eternas. O casamento dura poucos meses.
Cary Grant criou Cary Grant. O nome, a voz, o estilo. Esse foi seu único papel, mas foi um imenso papel. O homem elegantemente esportivo, o homem que gostaria de ter uma mulher, mas que não precisa delas. Grant se deixava conquistar, jamais ia à luta. Sempre com um sorriso, sempre com uma piada, jamais com paixão ou fervor. O mundo sempre o amou porque o mundo sempre ansiou por esse toque leve, refrescante, solar. Ver Cary Grant na tela é crer num mundo civilizado. É o ator do homem civilizado.
Meu primeiro contato com ele foi via rede Globo. Uma novela dos anos 80, em que um velho playboy ensinava um garoto suburbano a apreciar a vida, a ser elegante, a saber seduzir. O velho lhe dava vários filmes de Cary, e o garoto os assistia e começava a entender. Eu logo corrí para ver "Charada", logo descobrí o estilo desse ator sem igual. Grant se tornou o cara que eu queria ser. Nunca consegui. Meu tipo está mais para Gable ou March...mas caramba, como eu queria ser Cary Grant !