A GENTE PENSA PRA CARAMBA E NÃO ACERTA UMA

Naquele ano eu tinha 17 , e aos 17 a gente tenta adivinhar o futuro. E tem certeza de ter acertado.
Foi bem louco aquele ano. Eu cantava numa banda de rock. E naquela época ninguém tava nem aí pra rock made in Brasil. A banda era ruim demais. Um som meio Yes e meio Genesis. E eu odiava Yes e Genesis. Mas sabe como é, em banda quem manda é o guitarrista e eu nunca consegui aprender a tocar nada. Meu sonho era fazer um som tipo "Their Satanic Majesties Request". E eu pensava no futuro... Tinha a certeza de que o futuro da música brasileira estava em Itamar Assumpção e também em Arrigo Barnabé. Santa inocência ! Aos 17 eu pensava que as coisas iam se refinar no futuro, que Stockhausen e Berg iam tocar no rádio e que as letras, sem censura, falariam de sexo e amor de uma forma muito criativa e ousada. Não imaginava que nos reduziríamos ao "Quadradinho" e "Vai Vagabunda!"
Torcia pelo Flamengo e tinha plena certeza que Zico e Tita seriam os dois maiores jogadores da história do Brasil e do mundo. E que o galinho ganharia duas copas do mundo. E que em 2000 o Fla teria um estádio do tamanho do Maraca e seria um clube grande como a Juve ou a Inter. Não se falava no Real e muito menos no Manchester. Aliás, eu tinha certeza que a Holanda seria sempre a melhor seleção da Europa.
Pensava que todos os nossos presidentes eleitos seriam finos intelectuais de esquerda. Aliás, eu pensava que todo cara de esquerda fosse fino e culto. Pensava que eles todos gostassem de Bergman, de Tolstoi e de Bob Dylan. E achava que seria impossível os EUA terem um presidente pior que Ronnie Reagan. Guerras seriam passado. Mas estaríamos sofrendo com o ar poluído e quase sem floresta nenhuma. A Europa seria um museu e o Japão mandaria no mundo.
Aos 17 eu achava que todo mundo no ano 2001 usaria drogas. Mas não drogas contra a depressão ou estimulantes para não dormir. Seriam drogas para aumentar a percepção e para se libertar de medos e prisões. E achava que o sexo livre faria da gente seres mais sensíveis e menos neuróticos. Pois é...
Na tv voce escolheria entre assistir uma sinfonia de Mozart, um desenho muito louco sobre viagens espaciais ou um documentário sobre Henry Moore. A gente ia fazer a própria programação e assistir quando quisesse e as pessoas mais idiotas seriam lentamente menos idiotas. Seria uma tv sem a pressão dos patrocinadores, porque a gente ia pagar por ela e isso bastaria para a manter. Santo crianção eu era !
O cinema do futuro seria algo parecido com Blow-Out de de Palma ou Mean Streets de Scorsese. As pessoas assistiriam um tipo de filme real, duro, ágil e muito honesto. Cheio de emoções verdadeiras. Os atores e diretores mandariam os produtores pra casa e fariam os filmes que quisessem. Uns 40 filmes estreiariam toda semana..... 40 escolhas......
Aos 17 eu pensei que James Bond, Rocky, quadrinhos da Marvel e Inspetor Clouseau seriam coisas de passado distante; assim como talk-show, Silvio Santos, Hebe, Renato Aragão e Woody Allen. Jamais imaginei que as pessoas iam chegar ao ponto de querer assistir uns imbecís dormindo ou jantando ! E que documentários sobre bichos mostrassem mais o apresentador-ego- estrela do que o animal apresentado !
Pensei que a pintura iria acabar ( e acho que foi meu grande acerto ) e que o teatro teria dúzias de Becketts, Pinters e Lorcas. Um otimista aos 17, eu tinha certeza que o mundo teria se esquecido da existência do Yes, do Genesis, do Rush e de Gentle Giant. Que todo mundo ia ser meio Eno ou Iggy Pop, minimalistas ou primais. Jamais pensei que em 2009 as pessoas ainda dessem bola pra jovens de cabelinhos soltos usando guitarra/baixo e bateria para falar dos mesmos assuntos/do mesmo modo; assuntos que com 17 eu já achava beeeem boring... Guitarras até poderiam ser usadas, mas como Iggy fazia naquela época, eram guitarras que anunciavam a morte das guitarras. Mas o própio Iggy se cansou e sentou a bunda no sofá de veludo.
Jamais pensei que haveria um micro-ondas, o celular e a internet. Mas tinha certeza que o câncer seria curado como uma gripe e que tuberculose, meningite e sarampo seriam doenças desaparecidas. Não pensei que as pessoas teriam horror/vergonha de serem velhos e que o padrão de beleza seria a anorexia. Pensei que as pessoas teriam o relax de aceitar sua natureza.
Tinha certeza que estaria solteiro aos 40 ( acertei ! ). Mas ver homens depilando pernas e peito... jamais ! E garotos ouvindo Chico/ Milton/ Gal... tá brincando?????
Mas errei. Todos erram aos 17. Não haverá uma base lunar, não existe jazz na tv, o cinema não evoluiu, o rock continua exatamente igual. A direita continua egoísta e a esquerda cega. O sexo satisfaz apenas a libido e não muda o mundo. A aids não tem cura completa e as neuroses se multiplicaram. Reagan foi um gênio perto de Bush e Obama é um Jimmy Carter feito por Denzel Washington. Apesar de aparelhinhos bacanas e brilharecos fugazes, o mundo mudou muito pouco. Talvez sua maior mudança seja o nascimento de uma nostalgia imensa ( as pessoas estão se tornando nostálgicas cada vez mais cedo ), um medo indefinido de tudo aquilo que é real, e jovens que hoje, aos 17, não sonham com vôos à Marte ou drogas que libertem a mente, eles sonham com uma conta bancária alta e uma plástica no nariz. E mesmo assim irão errar.