Foi instigado por Nick Hornby que resolvi ler mais um Dickens. Uma História de duas Cidades se passa nos anos 1775/ 1793; é portanto, um livro que Dickens escreveu já como história do passado. Primeiro fato : Ninguém é tão cinematográfico quanto ele. Descreve de um modo tão magistral todo ambiente, que o visualizamos com detalhe. Mais que ver, penetramos na Londres e na Paris daquele tempo. Fato dois : Sua técnica de narrativa é tão cinemática que Dickens chega ao requinte de criar o corte e a ação simultânea. Suas histórias não têm fio central. Mudam de ambiente, mostram ações paralelas, vão e voltam. Eu já lera, não lembro onde, esse fato : Dickens como inventor do cinema.
Henry james e Proust escrevem melhor que ele. São mais ricos, fluidos, preciosos. Stendhal e Tolstoi são mais profundos, mais incisivos psicológicamente falando. Mas todos eles devem muito à Dickens. Ele cria e aperfeiçoa a trama novelesca, o drama social, o melodrama familiar, a moralidade da vingança. Só neste volume, um dentre muitos, são dez personagens centrais e mais uma dúzia de secundários. Todos muito bem caracterizados, com voz própria, reações coerentes e função na história. E que história !
Trata da pré-revolução francêsa. Como começou, no que deu. Parte dessa narrativa se dá na pacata Londres, pátria do bom-senso, da praticidade, da riquesa; e parte se dá na Paris antes e durante a revolução, cidade imunda, da desigualdade, da escravidão, da miséria e do esbanjamento. Dickens não toma partido entre as cidades. Elogia Londres e critica a França, mas sabemos que ele amava a Paris de sua época ( 1850 ) e criticava os esquecidos da revolução industrial. Ele aponta as crueldades da aristocracia francesa, tola e incapaz de disfarçar sua fortuna, ( como sempre fizeram os ingleses ), mas também aponta os absurdos excessos cometidos em nome do povo e a onda de vinganças e delações da revolução. ( Delações sem provas- que ocorrem em toda revolução ).
Sua escrita é gigantesca. Charles Dickens não teme nada. Conta tudo, pinta todo cenário, vai fundo nas dores, na crueldade, no romance. É pop como uma boa novela, e é sofisticado como um gênio do Nobel. Cria a consciência vitoriana da Grâ-Bretanha e molda a sensibilidade inglêsa, presente até hoje em livros, filmes e canções. E acima de tudo: ele entretém. E muito. É fácil ler Dickens, é fácil ser absorvido, torcer, querer mais.
Seus livros são frutos nobres do momento em que o jornalismo vivia seu grande boom. O país via o analfabetismo encolher ( a níveis que o Brasil só veria mais de cem anos depois ), e a mania da leitura se instalava. Os livros eram publicados em capítulos, no jornal, e só ao final da série saía em livro completo. Portanto, ele tinha a obrigação de manter o interesse, número à número. Dickens foi o 24 horas, o Lost de seu tempo.
Só espero que nossos descendentes, por volta de 2160, ainda leiam Dickens. Já 24 Horas...