M.R.Kehl e a epidemia de depressão

Maria Rita Kehl lança um livro falando que a OMS prevê que em poucos anos a depressão será a segunda maior causadora de óbitos no mundo, ultrapassando o câncer e perdendo apenas para doenças cardíacas. Porque? O que aconteceu? Então essa idéia, vaga e esquisita, de que os anos 60 foram incríveis, os 70 muito alegres ou que a geração da segunda guerra era mais viril, é real ? Será ? O mundo está mais deprimido ou se diagnostica mais deprê hoje?
O que posso dizer? Falo o que vejo, o que vivi, o que sei.
Noto que as pessoas falam mais hoje. Se abrem, desabafam, contam tudo. Mas riem menos. As baladas são forçadíssimas, as pessoas fingem ser parte de "um mundo". Porque hoje existem dois mundos : o dos muito histéricos e o dos deprimidos. Os histéricos estão sempre fazendo alguma coisa. A nova ginástica, um novo curso, mais uma viagem, um novo carro, um novo celular. Namoram muito, se apaixonam e morrem de medo de gente deprê. Vivem num tipo de esquizofrenia : sonham em viver no mundo de séries de tv, ser capa de qualquer revista... sonham em SER, mas apenas POSSUEM. Caem numa armadilha : por mais que comprem um novo carro, o do ano que vem será melhor. Os objetos estão sempre à sua frente, um passo adiante. Correm e não alcançam. Como cães numa pista de corrida, jamais pegam o coelho, mas passam a vida a correr.
Os deprimidos pensam ser especiais. Mais inteligentes e mais sensiveis. Confundem ter medo da vida com entender a vida. Negam a loucura da vida moderna pela cegueira. Tentam não fazer parte de nada, sem saber que esse não querer é parte do jogo. São o consumidor que cansou, o chavequeiro que se entediou, o baladeiro que está desinteressado. Assumem um papel de desencanto. Mas, ao contrário dos deprês de antes, como os românticos ou os surrealistas, eles nada fazem. É uma deprê sem revolta, sem loucura; uma dor calada, emburrada, sem inspiração, estéril.
Mais uma vez, pra variar, a causa de tudo isso está nos 60. Os idos de 1968. Os deprimidos de então se juntavam em grupos ( hoje eles se isolam ). Esses grupos deprimentes se tornavam comunidades boêmias, com suas poesias, suas comunidades agrícolas, seus partidos políticos. Sonhavam em acabar radicalmente com o mundo deprê. Ouviam Dylan, Nick Drake, Joni Mitchell e mais tarde Bowie e Roxy. Eram muito romanticos. Sofriam mas acreditavam no futuro. A diferença é que ninguém mais precisa de menos nostalgia que o deprimido. Recordar os velhos bons tempos o deprime mais. Mas existiram velhos bons tempos!! Então, ele chora a morte dos velhos bons tempos e fica preso nessa saudade. Não sonha com a luz no fim do túnel, vira-se ao fim do túnel e se entope com Prozac. O deprimido, que tradicionalmente sempre foi o chato que cutucava as feridas e irritava a sociedade, hoje é um velho rabugento, preso num sótão mofado, cercado por filmes tristes e tolos, músicas bobas e chorosas, e o pior, jogando fora a vida numa afetação de superioridade.
Os esquizos pensam pouco. Têm medo de pensar. Compram alegria, alugam prazer e se acham a ponta do planeta, a vanguarda da vida. Não são nada. Ovelhas tosquiadas que repetem tudo o que aprenderam, consomem um eterno futuro que se torna passado ao ser consumido. Tédio e solidão estão sempre a seu lado. Para fugir, mais balada, mais consumo, mais droga. E mais tédio...
Daí vem a pergunta : Qual seu sonho? Qual seu ideal ? Contra o que voce luta? Não me venha com : sonho com a paz, meu ideal é a igualdade, luto contra o desmatamento. Fale a verdade, voce tem um singelo sonho de ter uma casa, luta contra sua depressão e seu ideal é achar seu grande amor. Percebe ? São idéias individuais, solitárias, ligadas diretamente a seu ego, seu desejo, seu ser. Perdeu-se o sentido de comunidade.
1979 foi o ano mais absurdamente feliz no Brasil. Acreditávamos que tudo seria bom, que tudo seria feliz, para sempre. Era o começo do fim da ditadura e quem viveu a doideira daquele verão não se esquece. Sol e risos em todo dia e sexo desafiante em toda noite.
1989 foi um momento mágico na Europa. O fim do comunismo. Festas, sonhos, dança nas ruas, gritos soltos nas madrugadas.
Haverá celebração com o fim da guerra do Iraque ? Haverá festa com o fim do regime de Castro? Qual a utopia de hoje? O homem pode ser feliz sem uma utopia a lhe guiar e uma repressão a ser vencida ?
Sempre lembro uma frase do Cazuza : " Nadando contra a corrente só pra exercitar "... contra qual corrente voce tem nadado ??????????????????????????