Existem dois tipos de grande romancista : aquele que cria personagens que se tornam reais e aquele que cria um universo que respira e cresce. Lievin, Heathcliff ou o Quixote são, não apenas seres vivos, reais, como fazem parte de um mundo criado pelo autor. Ao ler esse tipo de livro, voce penetra nesse planeta, acredita nele e passa a dialogar com os seres daquele universo, usando a linguagem daquele autor. É fascinante imaginar como seria Quixote no futebol, Lievin na segunda-guerra ou Heathcliff numa rave. É totalmente real. Nós sabemos como seria porque os conhecemos como pessoas vivas, " mais reais que a própria realidade ".
Heminguay e Fitzgerald conseguem criar seres reais, mas não criam um universo. Faulkner sim. Assim como Twain ou este viciante Henry James.
O mundo de James é o mundo dos milionários sem país. Dos estrangeiros, dos em-mudança, do desterro. Mas não o exílio mundo-cão, é mais sutil, é o exílio dos privilegiados, dos que deveriam ser livres, mas não o são.
Ler "Os Europeus" é travar contato com esse mundo : Felix, Carlota, Robert e Lizzie são apaixonantes. Voce lê não para saber o que vai ocorrer, voce lê para conviver com eles. E é isso que faz de James um grande romancista. Seus personagens interessam, seu ambiente interessa. O diálogo é, portanto, interessante. O enredo fala, com humor e requintes de leveza, de dois irmãos europeus, quase falidos, que vão visitar os ricos primos de Boston. O contraste entre Europa e América é fascinante.
Europeus enchem a casa de cortinas, tapetes, bibelôs, quadros, leques, panos. Americanos têm casas claras, confortáveis e com muita luz. Europeus amam aquilo que poderia ter sido, americanos o que será um dia. Europeus se vestem para os outros, americanos se vestem para não pensar na roupa. O amor europeu é um jogo de famílias, o americano é individualizante. O europeu se diverte muito e é triste, o americano é seco e distante, mas é confiantemente feliz. O europeu rí, o americano observa. O europeu tem nome e refinamento, o americano tem dinheiro e saúde. A limpeza é da América, o perfume é europeu.
Henry James nasceu numa rica e culta família de Boston. Seu pai, Henry James Sênior, foi um médico e intelectual que criou os filhos na crença de que o ser-humano dever ver de tudo, ouvir de tudo e conhecer tudo. Henry e seu irmão, William, foram educados então, em New York, Paris, Londres e Bonn. Em Henry se formou aí o sentimento de se ser um estrangeiro eterno, um viajante em mudança contínua. O pai sofreu o primeiro ataque de pânico registrado ( em 1875 ) e ficou com a sequela de regredir à infância. William, que também sofria ataques de pânico, se tornou um dos maiores psicólogos da América e o filósofo central do pragmatismo. Henry filho, criou a maior e mais bela obra ficcional da América. Se tornou um gigante, amado por Proust, Joyce, Fitzgerald e todo escritor sério desde então. Mudou-se para Londres, naturalizou-se, mas ao contrário de Eliot ( outro americano emigrado ) James confessou ao final da vida, que se tivesse permanecido na América teria provávelmente sido mais feliz e escrito melhor.
Ler Henry James é um prazer que nenhum outro autor pode dar. Encontro nele sabedoria, humor, e o discernimento de alguém que foi o primeiro dos modernos : percebeu que a partir dalí, lar- nação- tradição, significariam cada vez menos.