Nada confirma melhor a validade da postura filosófica sobre o tempo, na visão oriental, que o tipo de música pop que se faz na Grã-Bretanha desde 1984. Essa postura filosófica, seguida dentre outros por Eliot e Yeats, diz que o tempo é circular e que repisamos o mesmo caminho indefinidamente. Londres 1963 foi o último suspiro do leão agonizante. O império desmoronava de vez e desde então tudo, absolutamente tudo, com alguma validade, feito por um inglês, chora o final do apogeu britânico.
Aconselho dois filmes : Billy Liar e Darling. São filmes do movimento angry-free-cinema, que evoluiu por lá entre 59/65. Um cinema que é exatamente aquilo que a Inglaterra de hoje tenta e nunca consegue ser : jovem, descompromissada, revolucionária, alegre e sexy. São filmes com imagens das chaminés de Manchester, de garotas de minissaia andando pelas ruas, de garotos de cabelo despenteado reclamando do desemprego, de gigolôs charmosos, de brigas no pub, de correr atrás do double-decker-bus... de mini-cooper e lambretas, e de bikes em Oxford. É o tempo da sofisticação ultrajante de Joe Orton e Harold Pinter no teatro, dos atores inconformados e belamente decadentes : Peter O'Toole, Alan Bates, Terence Stamp, Tom Courtney; e das musas das musas : Vanessa Redgrave, Jane Asher, Judy Geeson, e a incomparável Julie Christie, a imagem definitiva.
Quando aconteceram Beatles, Stones, Yardbirds e Them, o momento já era passado e eles haviam se tornado estranhamente saudosistas. No momento de Carnaby street e Mary Quant, Londres já tinha vivido seu apogeu e já contabilizava um glamour do passado. Não por acaso, tudo de melhor que essas bandas fizeram foi chorar pelo leite derramado ( no caso, leite com chá ).
Tudo, desde então, é um repisar de fontes anteriormente bebidas. Smiths e Morrissey são a saudade de Wilde, de Oxford, o prazer de se tomar chá lendo Evelyn Waugh e Foster. The Jam´são terninhos eduardianos, cabelos eduardianos e o radicalismo da esquerda eduardiana. Com um som todo aspirando ser Who e Small Faces. Jesus and Mary Chain é a saudade do rouxinol de Keats, trespassado pelo som elétrico do Velvet com a voz de Ian Curtis. Nem vou falar de Oasis, uma banda doentia, que obriga o baterista a tocar como Ringo e faz a mixagem de seus discos com técnicas de 68. Ou o Blur, sempre tentando ser Oasis com sexo.
Pois assisto doze clips do Franz Ferdinand. Bem... o nome da banda já é saudade, nome do arqui-duque morto em Sarajevo, 1914... os clips são citações sobre citações dos tais filmes ingleses de 59/64. Moças que são a cara de Rita Tushingham, moços que se parecem com o jovem John Hurt e roupas como a swinging London... velho, velho,velho demais... O som é Small Faces mais Kinks com toques de Roxy Music. O de sempre...
Algo de jovem nas ilhas britânicas, somente quando parte dos negros ( que querem soar como americanos- e conseguem ) dos indianos e dos africanos que lá vivem. Ingleses brancos, esquálidos e anglicanos, continuam a chorar e chorar os velhos tempos, a repetir a mesma poesia de ancião impotente e a encher de mofo uma cidade já bastante mofada.