Aqui no ocidente, somos educados a acreditar que a vida é uma reta. Partimos de um ponto e caminhamos em direção a outro ponto. Esse ponto final pode ser o nada, Deus ou o cosmos, não importa, enxergamos sempre uma estrada reta à nossa frente.
Para o oriental, a vida é um círculo. Não existe ponto de saída, não existe ponto de chegada. Estamos eternamente repassando pelos mesmos locais e momentos. O antes é o amanhã e o ontem se repete no futuro.
Morangos Silvestres já foi meu Bergman favorito. Hoje eu prefiro O Rosto. Mas como dizer qual o melhor ? Um artista de tal nível transcende julgamento. Seus filmes são concretos, estão alí, reais e eternos. Não precisam de nossa opinião. Permanecem no circulo, estão fora do tempo. E Morangos Silvestres fala exatamente disso : o tempo.
Um velho escreve, sonha, viaja de carro e " retorna à sua casa de infância ". O que acontece ? Penso, agora assistindo o filme pela quarta vez, que na verdade esse professor já está morto quando o filme se inicia. O que assistimos não é sua memória, mas sim, sua entrada no paraíso. Será ? Hoje penso que sim.
Leio que o jogador Adriano está morando na favela. Um belo texto na Veja sobre isso. Não é questão de cultura, é questão de espírito : o lugar onde pela primeira vez fomos felizes é nosso paraíso. A primeira manhã, o primeiro amor, a primeira brincadeira, a magia da descoberta. Para Adriano, a favela será para sempre o seu ninho, sua perfeição, sua beleza.
A última cena de Morangos Silvestres é uma das mais belas já filmadas. O professor enxerga seus pais pescando, os pais o percebem e acenam. Ele acena e os olha : um olhar único : o velho senhor se torna uma criança diante de nosso olhar maravilhado. Ele acaba de adentrar o paraíso. Pois é isso que todo grande artista faz, nos exibe céu e inferno, mesmo que não o queira ou saiba. E cada vez mais me convenço disso : viver é andar no círculo : nos afastamos da infancia e a ela retornamos para nos afastar outra vez... se soubermos perceber.
Como julgar este filme ?