São mais de 800 páginas. Mas vale a pena. Gênio de Harold Bloom analisa os 100 autores de toda a história que ele considera mais influentes. Não darei a lista para voces. Mas posso dizer que algumas surpresas estão presentes. E outras lógicas e esperadas : Shakespeare é o maior e os únicos que se aproximam do autor inglês são Cervantes, Dante e Tolstoi. Com Joyce e Proust por perto.
O que vou fazer é citar alguns trechos que considero magistrais.
Freud não foi um grande cientista. Ele foi o maior cronista do século. O Montaigne de nosso tempo. Para a cultura alemã, ele é o continuador de Goethe, um tipo de gênio que tudo sabe, com poderes ilimitados. Um sábio.
Como foi Thomas Mann, o mais sábio dos autores do século.
Proust nos ensina que toda perda traz um ganho. É o mais artista dos escritores. Nos ensina a transcendencia do eu. Nenhum autor tem tantos momentos de epifania ( que eu, Tony, chamo de duende ) como Proust. Seu texto traz iluminação.
Samuel Beckett é um dos muito raros santos da literatura. ( Eu explico : lendo a biografia de Beckett vemos que ele fez tudo aquilo que chamamos de santidade. Ajudou colegas desafortunados, deu dicas valiosas, lutou em duas guerras sendo considerado um herói, e jamais se vangloriou. Enquanto Heminguay falava de sua participação- mentindo muito- Beckett nunca escreveu ou falou nada sobre seu heroísmo. Para ele, a guerra é algo cruel demais para ser divulgada ). Bloom conta que a literatura cessa de evoluir em Beckett. Após seu modernismo, o romance recua e volta a ser escrito como o era no século dezenove.
Emily Bronte, com O Morro Dos Ventos Uivantes atinge o auge do encantatório em livro.
Maravilhoso é o texto sobre Walter Pater. Pater foi um crítico inglês que formou gerações. Oscar Wilde deve muito à Pater. No texto de Bloom ficamos sabendo que além do esteticismo, Pater criou a " visão psicodélica do mundo " e então Bloom transcreve um texto de Walter Pater, de 1887 que antecipa uma viagem de lsd em décadas. Uma bela viagem de lsd. Pater dizia que nossa individualidade é uma ficção, que fazemos força para nos agarrar a esse centro individual; pois não fosse isso, iríamos nos dissolver em sensações. O artista deve " arder em chama preciosa ", ir até o fim de tudo. Pater cria portanto a religião dos ateus- a religião da arte, que tanto inflenciará além de Wilde, Yeats, Virginia Wolff, Joyce e Proust.
Para nossa alegria, Harold Bloom coloca Camões nas alturas. Para ele, Os Lusíadas são tão grandes como A Eneida e dignos de Homero ou Dante.
Ninguém escreveu tão bem sobre a paixão como Stendhal, e ninguém nos diverte tanto ao mostrar a dor de amar. Stendhal tem humor, tem fantasia, tem fogo. Ele é, com Tolstoi, o maior filósofo do amor e da luta entre os sexos.
Mark Twain cria, com Whitman e Henry James, a América, terra da ficção. Se Whitman é o maior poeta americano e James o melhor escritor, Twain é o maior humorista e o mais terrível satirista.
Faulkner é de longe o maior escritor da América depois de Henry James.
Fernando Pessoa foi mais que um gênio. Ao criar suas personas ( e como Whitman, ele apenas parece sincero. Todo grande poeta não é sincero ) Pessoa se torna 3 gênios. Pessoa descende diretamente de Shelley, é um poeta da alta imaginação, do alto romantismo. Álvaro de Campos é o mais genial dos heterônimos, exuberante. Sublime. Somente um país como Portugal poderia ter gerado um poeta como Pessoa. Pois Portugal é um heterônimo em sí. Uma relíquia de um império. Daí, Harold Bloom cita uma frase de Fernando Pessoa que eu não conhecia : " Com uma tal falta de literatura, como há hoje, que pode um homem de gênio fazer senão converter-se, ele só, em literatura ? Com uma tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou, quando menos, os seus companheiros de espírito ? "
Ao falar de Iris Murdoch, Bloom cita outro texto, de Murdoch, que considero magistral/ belo e estranhamente assustador : " Shakespeare, Tolstoi, Homero, Dickens, James- mostram-nos o mundo verdadeiro, o nosso mundo, que, normalmente não enxergaríamos. Eles nos indicam aspectos da realidade que não seríamos capazes de ver sem sua ajuda. " Ou seja, o universo das peças de Shakespeare está dentro de nós. Todos temos a intensidade de Hamlet, o horror de Macbeth, a dor de Lear e o romantismo de Romeu. Mas somos incapazes de o perceber.
Há imensos elogios para Eça de Queirós e para Machado de Assis. Bloom chama Machado de gênio e diz ser ele o maior seguidor de Laurence Sterne e Swift- mas sendo sempre original em seu terrível humor. Eça é um fino artista, também cheio de humor, um dos grandes do século dezenove.
No texto sobre Yeats há outro dado que considero fantástico. ( E que mesmo adorando Yeats como eu adoro, não conhecia ). O gênio de uma pessoa é seu demônio. Ele o fustiga, desafia, exaspera. Assim como o amor, o demônio é o inimigo, a antítese, a imagem no espelho, anima. O amor, o gênio interno, existem como forças de destruição, mas que ao serem enfrentadas, tornam-se criação. O demônio alia-se ao amor " não apenas como opositor, é nosso outro eu. " Como Goethe e Shelley, ele acreditava no seu prórpio demônio. Ser que lhe propõe tarefas cada vez mais árduas. Cabe ao artista aceitar tal desafio, e mudar, mudar sempre, na eterna descoberta de sí mesmo.
Termino esta pequena exposição do livro de Harold Bloom ( há ainda maravilhosos textos sobre Italo Calvino, Goethe, Keats, Rimbaud... ), citando Yeats, o mais fantástico dos romanticos :
SÓ PODE CRIAR A MAIOR BELEZA IMAGINÁVEL QUEM SUPORTOU TODAS AS DORES IMAGINÁVEIS, POIS SOMENTE QUANDO VIMOS E PREVIMOS AQUILO QUE TEMEMOS, SEREMOS RECOMPENSADOS PELO DESLUMBRANTE, IMPREVISTO, ANDARILHOS DE ASAS NOS PÉS. NÃO PODERÍAMOS ENCONTRÁ-LO SE ELE NÃO FIZESSE PARTE, EM CERTO SENTIDO, DO NOSSO SER, DO NOSSO PRÓPRIO SER, MAS COMO ÁGUA COM FOGO, RUÍDO COM SILÊNCIO. VEREI AS TREVAS SE TORNAREM LUMINOSAS, O VAZIO SE TORNAR FECUNDO, QUANDO COMPREENDER QUE NADA TENHO, QUE OS SINEIROS DA TORRE APONTARAM UM SINO ITINERANTE AO HÍMEM DA ALMA.
A alma sempre há de ser virginal, pois o demônio ou gênio, é a ela antitético. O gênio de Yeats floresceu quando ele se deu conta de que nada tinha, que a solidão interna era sua benção. Dotados do frêmito do mar oeste/ Pensamentos e imagens comuns/ Dos quais criei meus gemidos/ Para depois beijar uma pedra...uma pedra...
E depois disso compus uma canção...