EM BUSCA DO OURO- J.M.G. LE CLEZIO

Leitores ( críticos inclusive ) tendem a dar uma excessiva importancia ao Nobel. Vai daí que ao não contemplar seu autor vivo favorito, façam um escandalo, como se seu ídolo houvesse sido ofendido. O prêmio não garante imortalidade, pois apesar de ter premiado imortais como Yeats, Eliot e Mann, o Nobel ignorou Borges, Joyce e Proust ( dentre vários outros ).
Esculhambaram a escolha de Le Clezio. Eu mesmo, na época, teria optado por Updike ou Roth. Bem... o prêmio já premiou gente bem pior. Recentemente temos Toni Morrison, Derek Wallcott ou Dario Fó.
Vamos ao livro, o segundo que leio de Le Clezio ( que é famoso e adorado na França ).
Nascí numa casa grande. Com um longo corredor. Longo o bastante para sevir de lugar para brincadeiras. Havia um porão também, escuro, úmido e cheio de aranhas. Lá eu sonhava em tardes muito quentes. Um imenso quintal, cheio de árvores e bichos. Me deitava ao sol e brincava de olhar nuvens passando... Um dia essa casa foi largada, deixada, e com ela todo o mundo ao redor também. Mundo de caranguejos, cobras, sapos e tardes longuíssimas com nada para fazer. Um mundo muito vivo, rico, que criou poetas, doidos ou vadios.
Ao lado desse universo existia o planeta oceano. As idas à São Vicente, que naquele tempo tinha ainda um clima de lugar distante, calmo, do mar. Um mundo de peixe fresco, camarões, chuvas assustadoras, da Serra do Mar... Esse é o mundo de onde eu vim. "Em busca do ouro" fala à esse universo.
Este livro de Clezio fala de um menino. Que perde sua casa de sonho e cai na vida do mar. Onde, adulto, ele procura um tesouro que lhe possibilite a volta ao mundo perdido. No livro existe alguma coisa de Conrad, mas é um Conrad menos viril, mais simples. Há também um pouco de Naipal, mas visto do lado europeu, não o lado nativo ( o narrador vive no oceano Índico ). A escrita é direta, em primeira pessoa, concisa, mas sem deixar de ser bastante emotiva. Fácil de ler, flui como maré, apesar de se perder um pouco no miolo da história. Mas o principal, que me faz querer escrever, é o fato, agora nítido, de que é necessário ter algum tipo de experiência pessoal para se usufruir, com profundidade, a verdadeira arte. Sem o sentimento de "doce saudade e amarga decadência " é impossível usufruir este livro. Sem amar o oceano, os pássaros e o sol, é inviável ler este texto. Sem o dom de sonhar e querer enxergar além do aparente, não há como compreender Clezio.
Não é assim com tudo que travamos contato ? Como apreciar o cinema de Visconti sem refinamento e senso estético ? E de onde vem isso ? De sua própria biografia, daquilo que voce viveu antes de ver o filme. Como compreender Fellini se voce não possui um pequeno poeta dentro de voce ? Ou usufruir de Bergmann sem ter mergulhado no sentimento de morte e dor da vida ? Só rebeldes com poeira nos olhos e uma moral a defender compreenderão a profundidade de Ford ou Hawks e somente quem viveu uma luta feroz, interna, entenderá do que Kurosawa está falando.
Aqueles que somente compreendem o que é fútil, pobre, óbvio, não viveram, ou viveram pouco.
O livro de Le Clezio me trouxe essa confirmação. Não é pouca coisa. Talvez o Nobel tenha acertado.