AS AFINIDADES ELETIVAS - GOETHE

Harold Bloom dizia não haver autor mais fora de moda que Goethe. Isso era um elogio. Isso foi dito em 1990. --------------- Isso porque Goethe não usa o sentimentalismo. Ou melhor, ele foi sentimental em Werther, sua pior obra e a única que ainda é lida. Goethe não se repetia e Werther é sua obra romântica. Ao ler Goethe nunca se esqueça, acima de tudo ele se via como um cientista. Cada obra sua é uma experiência. Fausto é sua obra mais conhecida, mas isso não significa que alguém ainda a leia. E muito menos que ela seja produzida em algum teatro. A poesia de Goethe é maravilhosa. -------------- Afinidades Eletivas é um romance sobre química. E ele causou mal estar quando lançado em 1808. Isso porque ele fala de um casal, Eduard e Charlotte, nobres, ricos, vivendo no campo, cuidando do jardim, imenso, que abrigam em seu palácio duas pessoas: o Capitão, homem prático, que surge para ajudar nas reformas de estradas, e Otillie, sobrinha de Charlotte, menina tímida e cheia de bons sentimentos. A história é toda feita como uma exposição sobre elementos químicos. Uma dupla de elementos, unida e equilibrada, é desfeita quando em contato com uma reagente, unindo-se a esse novo elemento e formando uma nova molécula. Eduard se une a Otillie e Charlotte ao Capitão. Um novo mundo se abre aos quatro, eles se transormam em outra coisa. -------------- O mal estar se deve ao fato de que tudo é feito as claras e sem sofrimento nenhum. Como as novas uniões são feitas com partículas afim, é tudo natural e correto. Charlotte sabe que seu marido se une agora a sua sobrinha, mas ela se ocupa do Capitão e não dp final de sua antiga união. Do mesmo modo, Eduard se alegra com a união de Charlotte e de seu amigo, o Capitão. Mesmo lido em 2024, espanta a naturalidade educada com que tudo ocorre. ------------------------ Goethe era um homem do século XVIII, e por isso seu texto sempre causa espanto para nós, filhos do hiper romantismo. Os personagens parecem frios, racionais demais, contidos. Tudo segue um código de conduta e todos se portam, no público e no privado, como se espera que se portem. Escrito já na época de Napoleão, ápice do romantismo heroico, esta obra é ainda 100% clássica. Toda ação se desenvolve de modo inexorável, as pessoas mal percebem para onde vão e não têm poder algum sobre aquilo que desejam. Entenda, é o costume, os bons modos que as guiam em ação, e esse não poder sobre seus desejos é formatado dentro do costume. Isso se chama cultura, civilização. O romantismo inverteria tudo colocando o desejo acima do costume. --------------------- O texto é rico em pequenas pistas que fariam a delícia de um psicólogo. O que se faz nos jardins, estradas, fontes, mirantes, é reflexo e acontece ao mesmo tempo que as reformas dentro de cada um dos quatro personagens. Cada ato na natureza é uma ação no coração e cada percepção na paisagem é uma descoberta interna. Goethe já sabia que o ambiente nos forma e nós formamos o ambiente. ------------- Atenção! Não espere aqui um romance de infidelidades e de amor. Tudo é seco como um texto de química e tudo é claro como uma equação algébrica. Goethe nunca quis nos emocionar, seu objetivo sempre foi educar.