TIRANT LO BLANC - JOANOT MARTORELL
Escrito e publicado no fim do século XV, quando os romances de cavalaria já se encontravam em declínio, este livro, catalão, é ainda, mais de 500 anos depois, legível. Numa Inglaterra imaginária, acompanhamos a expulsão dos sarracenos por reis e cavaleiros míticos. Há batalhas imensas e sangue a rodo, e o que se conta, apesar de certos exageros, é crível ( em se tratando de sagas medievais ). Não há monstros nem feiticeiros. Quero então destacar dois fatos que passam despercebidos pelos inteligentinhos de hoje. -------------------------- Primeiro: Não se pode falar de idade média sem falar de religião. Ela é Filosofia e ela é Poder. Tende-se a se forçar hoje a importância do dinheiro naqueles tempos. Mas não! A relação do homem com Deus é o que guia toda vida cotidiana. Segundo: O cavaleiro não é apenas alguém que vive em ordens militares ( que são mínimas ). Ele é um homem que jura à Deus defender os fracos, as viúvas, as donzelas em perigo. Sua submissão à mulher honrada ( a não prostituta, pois essa abriu mão de qualquer defesa ), é total. Ele é fatalista, sabe estar sempre à morte e pensa, com acerto, que uma morte honrada é preferível. ---------------- Um aviso a algum futuro leitor: livros escritos antes do romantismo não são do tipo ao qual estamos acostumados. Aprendemos a ler autores que são, todos, auto reflexivos. Autores que se examinam, que revelam aquilo que se passa dentro do personagem. Mais que agir, eles pensam. Aqui não. Tirant age. O que lemos é a descrição de ações corporais e de diálogos falados, não pensados. Muito leitor estranha isso, e ao ler Homero ou Chaucer, Petrônio ou Boccacio, estranha a aparente falta de "vida interior" dos caracteres e de profundidade do narrador. Tola leitura! A narrativa antiga é pura ação, é vida corporal, é feita da relação do EU com a sociedade e muito raramente do EU com sua consciência. Quem quisesse ler algo sobre a alma procurava a filosofia e não uma saga ou um romance épico. ---------------- Imenso e delicioso, Tirant Lo Blanc vale ser lido.